QUANDO A VERDADE VEM DE FORA: O BRASIL QUE O CHANCELER ALEMÃO ESCANCAROU
POR TIAGO HÉLCIAS

Estava eu aqui em Portugal, degustando um autêntico pastel de nata, quando a frase do chanceler alemão, Friedrich Merz, começou a circular. Primeiro como sussurro, depois como manchete, e por fim como escândalo nacional — daqueles que os políticos correm para extinguir com baldes de indignação fabricada.
A frase era simples. Seca.
Dura como só a verdade consegue ser:
“Senhoras e senhores, nós vivemos em um dos países mais bonitos do mundo. Perguntei a alguns jornalistas que estiveram comigo no Brasil na semana passada: ‘Quem de vocês gostaria de ficar aqui?’ Ninguém levantou a mão. Todos ficaram contentes por termos retornado à Alemanha, na noite de sexta para sábado, especialmente daquele lugar onde estávamos.”
Em seguida, ele também disse:
“Vivemos em um dos países mais livres do mundo, e vale a pena defender nosso país, nossa democracia e nossa ordem econômica.”
E eu lembro exatamente da sensação de ler aquilo.
Não foi surpresa. Foi reconhecimento.
Um “eu sei”.
Porque não eram palavras ofensivas — eram palavras incômodas.
E a diferença entre ofensa e incômodo é que a ofensa machuca o ego; o incômodo esfrega realidade.
E o Brasil reagiu como reage sempre que alguém aponta o óbvio: com uma mistura de orgulho ferido e negação histórica.
A FRASE NÃO FOI SOBRE O BRASIL
FOI SOBRE O QUE O BRASIL FAZ CONSIGO MESMO.
Aqui de fora, a distância ajuda a enxergar melhor.
Portugal, Alemanha, França… qualquer país europeu olha para o Brasil com um misto de fascínio e perplexidade.
Fascínio pela força, pela Amazônia, pela energia humana.
Perplexidade pelo abandono, pela resignação, pela maneira como a população aprendeu a sobreviver ao caos como se fosse rotina.
Então vejamos: Belém coletando 20% de esgoto; o resto correndo livre pelos igarapés, pelas portas das casas, pelas mãos das crianças.
Mais de 100 milhões de brasileiros sem coleta adequada.
Hospital onde paciente divide maca.
Consulta que se espera por meses.
Escolas que são contêineres.
Cidades inteiras que parecem um eterno “a gente vê isso depois”.
E diante disso, a elite política age como se não estivesse falando de gente — mas de um país abstrato, distante, que só existe nos palanques, nas campanhas e na cabeça tacanha do senhor presidente Lula, que pra rebater a fala do chanceler, disse para uma plateia de apoiadores, que tinha “recomendado” ao político alemão a famosa maniçoba do Pará - Hilário se não fosse trágico.
E ENTÃO VEIO A COP30
O GRANDE PALCO. A GRANDE ENCENAÇÃO. O GRANDE PARADOXO
Aqui da Europa, é impossível não notar o contraste.
O Brasil que não conserta o básico investindo bilhões para montar uma vitrine climatizada.
Só para a COP30, foram:
- R$ 4 bilhões em obras e infraestrutura.
- R$ 4,2 bilhões em logística, segurança, contratos, adaptações.
- R$ 478 milhões em acordos sem licitação.
- E uma desenfreada maquiagem urbana para que o mundo veja o Brasil que o Brasil quer vender.
É estranho acompanhar isso de longe.
Parece que o país cria uma segunda versão de si mesmo — uma versão polida, ecológica, cosmética — construída especialmente para impressionar delegações internacionais.
Enquanto isso, a primeira versão, a real, a cotidiana, a que sofre, continua ali: sobrevivendo com migalhas.
No Brasil, o Estado alimenta o povo com restos… e entrega ao mundo os banquetes.
E AÍ A FRASE DO CHANCELER ALEMÃO VIRA UMA CHAVE.
Porque a verdade dela não está no conteúdo — está no símbolo.
O chanceler apenas disse em voz alta o que muitos diplomatas, jornalistas e observadores europeus comentam baixinho nos corredores:
o Brasil não está preparado para ser a potência que insiste em parecer.
E não está porque não enfrenta o que deveria enfrentar.
Não está porque transforma crítica em ataque, questionamento em ofensa, realidade em antipatriotismo.
Os mesmos políticos que deixam a população à míngua são os que mais gritam quando uma crítica internacional expõe o óbvio.
E, de repente, todos viram guardiões do Brasil — como se amar o país significasse fingir que ele não tem feridas abertas.
A VERDADE É QUE O BRASIL NÃO FOI ALVO DE UM ATAQUE.
FOI ALVO DE UM ESPELHO.
E poucos países conseguem lidar bem com espelhos.
Especialmente espelhos europeus.
Porque eles mostram que o que está errado não é de hoje.
Não é de um governo.
Não é de uma ideologia.
É estrutural.
É antigo.
É negado.
Belém está foi preparada para receber o mundo, mas não consegue se preparar para receber o próprio povo.
E isso não é culpa do chanceler.
É culpa de décadas de improviso, décadas de abandono, décadas de políticos que conhecem o país apenas pela janela do jatinho.
NO FUNDO, A QUESTÃO É SIMPLES:
O BRASIL NÃO PRECISA DE UMA DEFESA.
PRECISA DE CORAGEM.
Coragem para admitir o atraso.
Coragem para enfrentar o esgoto antes do evento.
Coragem para preferir infraestrutura ao palco.
Coragem para transformar vergonha em ação — não em nota oficial.
Daqui da Europa, olho para tudo isso com um misto de esperança e frustração.
Esperança porque o Brasil é gigante.
Frustração porque ele insiste em encolher.
E talvez seja exatamente por isso que a frase do chanceler incomodou tanto:
porque ela mostrou ao Brasil o que o Brasil tenta esconder de si mesmo.
E não existe mentira suficiente para cobrir uma verdade tão grande.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
Comentários