MACEIÓ AFUNDA: O MAPA QUE MENTE, O ACORDO BILIONÁRIO QUE TRAI E A CIDADE QUE AFUNDA EM SILÊNCIO

POR TIAGO HÉLCIAS 


Eu vivi de perto essa história.

Apresentei o Balanço Geral Alagoas, percorri as ruas rachadas, entrevistei famílias desesperadas, assisti bairros inteiros desaparecerem da paisagem e da vida. Vi mães chorando porque a casa construída com uma vida de trabalho simplesmente cedeu ao solo — e ouvi promessas oficiais de que tudo seria reparado.

Hoje, anos depois, olho para Maceió e me pergunto: quem ainda acredita nessa reparação?

O MAPA QUE NÃO DIZ A VERDADE INTEIRA

O que o mapa oficial mostra é apenas parte da história.

De acordo com um relatório independente apresentado pela Defensoria Pública de Alagoas (DPE/AL), a área de risco delimitada pela Defesa Civil está incompleta. O estudo, realizado por pesquisadores da Leibniz University Hannover e do Centro Alemão de Geociências (GFZ Potsdam), aponta que o solo está afundando além dos limites reconhecidos pelo poder público.

O documento usa medições técnicas e imagens de satélite que mostram movimentos verticais e horizontais do terreno, inclusive em regiões fora das chamadas Zonas 00 e 01, como a comunidade dos Flexais, em Bebedouro.

A DPE entregou o relatório à Prefeitura de Maceió, ao Governo do Estado e à Defesa Civil. Até agora, silêncio. Nenhum posicionamento oficial que reconheça, amplie ou sequer discuta o estudo.

A pergunta que ecoa é simples e grave:

Por que o relatório é ignorado?

Por que a versão independente, assinada por instituições internacionais de prestígio, não é sequer considerada para revisão do mapa oficial?

Quem ganha mantendo o mapa como está — menor, limitado, “controlável”?

Como jornalista que cobriu essa tragédia, aprendi a desconfiar daquilo que é apresentado como “definitivo” quando há vidas em jogo. E, neste caso, o mapa parece mais um instrumento político do que técnico.

O NOVO ACORDO BILIONÁRIO — E AS VÍTIMAS NOVAMENTE DE FORA

Enquanto o relatório dorme nas gavetas do poder, acordos milionários continuam sendo assinados.

O mais recente: R$ 1,2 bilhão entre a Braskem e o Governo de Alagoas, anunciado como “avanço na reparação”.

Antes dele, a Prefeitura de Maceió já havia fechado um acordo de R$ 1,7 bilhão com a mineradora, também sem a participação direta das vítimas.

E o que têm em comum esses dois acertos?

O mesmo roteiro: fotos, discursos, cifras vultosas — mas nenhum espaço real para os moradores que perderam tudo.

O povo que viu o chão ceder, as paredes racharem, o teto cair, não foi chamado pra mesa.

A cidade afunda e as autoridades continuam a negociar sobre os escombros, de costas para quem foi engolido por eles.

ENTRE MAPAS, RELATÓRIOS E ACORDOS — A REALIDADE QUE NÃO CABE NO PAPEL

O relatório da DPE mostra o que o mapa oficial esconde.

Os acordos mostram o que o poder público prioriza.

E as vítimas mostram o que o sistema insiste em não ver.

Como alguém que viveu essa tragédia de perto, o que mais me incomoda é o padrão: a técnica se torna política, e a dor se torna estatística.

As casas viram “pontos de afundamento”, as famílias viram “números indenizatórios”, e os relatórios viram “documentos arquivados”.

Mas Maceió não é uma abstração científica.

Maceió tem cheiro, tem rosto, tem lágrimas, tem história.

E essas histórias estão sendo engolidas pelo mesmo silêncio que, anos atrás, cobriu o primeiro estrondo subterrâneo no bairro do Pinheiro.

PERGUNTAS QUE AINDA PRECISAM DE RESPOSTA

  • Por que o Estado e a Prefeitura ignoram um relatório técnico independente que amplia as zonas de risco?
  • Quem será responsável quando as áreas fora do mapa oficial também colapsarem?
  • Que garantias as vítimas têm de que esses novos R$ 1,2 bilhões realmente chegarão até elas — e não se perderão em burocracias, obras e contratos?
  • E, o mais importante: quando a verdade vai emergir do subsolo de Maceió?

O chão de Maceió continua se movendo.

Mas o que parece mais instável, neste momento, é a moral de quem deveria sustentar a verdade.

A cidade afunda — e, junto com ela, corre o risco de afundar também a confiança, a justiça e o direito das vítimas de serem ouvidas.


Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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