JUSTIÇA COM CAMISA: QUANDO O FLAMENGO É MAIOR QUE A ÉTICA
POR TIAGO HÉLCIAS

“Há um abismo moral entre o que se faz para proteger o futebol e o que se faz para proteger os que o mancham. A recente explosão de casos de manipulação de resultados no futebol mundial escancarou uma ferida antiga: a seletividade das instituições esportivas diante do poder e do prestígio dos envolvidos.”
De um lado, a Turquia, que reagiu com a firmeza de quem entende que a integridade do jogo é inegociável. Do outro, o Brasil, que mais uma vez parece ceder à lógica do compadrio e à blindagem dos grandes clubes — especialmente quando o assunto envolve o Flamengo, aquele que, quando se vê em apuros, sempre encontra um “jeitinho” jurídico para sair ileso.
Turquia: o choque da moralidade esportiva
A Federação Turca de Futebol não pestanejou. Mais de mil jogadores suspensos, campeonatos paralisados, dirigentes e árbitros presos. Foi uma ação cirúrgica, rápida e sem maquiagem — um recado direto e inequívoco: ninguém está acima do jogo.
O escândalo, que envolveu 1.024 atletas de diferentes divisões, levou a TFF a adiar rodadas inteiras. A investigação não se limitou a jogadores; atingiu também dirigentes e juízes, numa demonstração de que a Turquia está disposta a ir às últimas consequências para defender o que resta de pureza em um esporte dominado por cifras e apostas.
Essa é a diferença entre agir com convicção e agir com conveniência.
Brasil: o país do “pedido de vista” e da vista grossa
No Brasil, o roteiro é outro. E previsível.
O atacante Bruno Henrique, do Flamengo, foi condenado por forçar um cartão amarelo — manipulação clara, crime contra a ética esportiva. A punição inicial: 12 jogos de suspensão e multa. Até aí, tudo certo. Mas aí vem o velho drama tropical: recurso, pedido de vista, adiamento… e impunidade provisória.
Enquanto o processo arrasta-se no STJD, Bruno Henrique segue em campo, marcando gols, comemorando, sendo decisivo. Como se nada tivesse acontecido. E, de fato, no Brasil, não acontece. O tribunal que deveria zelar pela moralidade do futebol prefere a morosidade conveniente, a cautela seletiva e o compasso do calendário das grandes torcidas.
“Afinal, quem ousa parar o Flamengo em meio ao campeonato?”
O duplo padrão da justiça esportiva
Quando se compara o caso turco ao brasileiro, a discrepância é brutal.
Na Turquia, ação imediata. No Brasil, desculpas processuais.
Na Europa, o rigor como regra. Aqui, o privilégio como norma.
A justiça desportiva brasileira opera em duas velocidades: uma, célere e exemplar, para os pequenos clubes e jogadores anônimos; outra, lenta e complacente, para as estrelas dos times midiáticos. E isso mina, pouco a pouco, a credibilidade de todo o sistema.
Enquanto o Conselho de Justiça Desportiva (CJD) turco age para preservar o jogo, o nosso STJD hesita, como quem teme tocar nos poderosos. O resultado é o mesmo de sempre: a sensação de que a camisa pesa mais que o código.
O Flamengo e o eterno “clube blindado”
Não é de hoje que o time da Gávea tornou-se, na prática, um símbolo dessa proteção institucional. Foi assim no caso do incêndio do Ninho do Urubu, quando ninguém foi responsabilizado criminalmente pela morte de dez garotos. É assim agora, com um jogador condenado em primeira instância continuando a atuar, sob o manto da “vista” que cega a Justiça.
Não é apenas sobre Bruno Henrique. É sobre o que o caso revela — o quanto estamos dispostos a relativizar a ética em nome do espetáculo, da audiência e da camisa.
E o recado que fica é cruel:
Na Turquia, quem joga sujo é punido.
No Brasil, quem tem prestígio joga quando quer.
Enquanto o mundo tenta limpar o futebol das manchas das apostas e da corrupção, o país do “jeitinho” ainda acha que ética é um lance interpretativo.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
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