ENTRE O SAL, O SOL E O SABER: O NORDESTE BRASILEIRO QUE FAZ CIÊNCIA COM IDENTIDADE

POR TIAGO HÉLCIAS


Eu sempre acreditei que o Nordeste é mais do que uma região — é um estado de espírito.

E, talvez por isso, cada vez que vejo o nome de um pesquisador nordestino ganhando espaço em revistas científicas ou laboratórios de referência, sinto algo que vai além do orgulho.

É quase como se cada conquista tivesse um sotaque familiar, um pedaço da nossa história sendo contado de forma diferente — e, finalmente, por nós mesmos.

Foi assim que me senti ao acompanhar o caso da Própolis Vermelha de Alagoas.

Uma descoberta que nasceu do mangue, do encontro improvável entre abelhas e uma planta nativa chamada Rabo de Bugio (Dalbergia ecastophyllum), e que hoje é reconhecida no mundo inteiro pelo seu potencial anticancerígeno.

Da lama à ciência, do artesanal ao tecnológico — o caminho dessa própolis é quase uma metáfora do Nordeste em si: forte, resiliente e improvável, mas capaz de transformar o que parece simples em algo extraordinário.

O ouro vermelho que fala com sotaque

Eu fico imaginando o que diriam os cientistas europeus ao ver aquelas abelhas trabalhando no mangue alagoano, produzindo algo que a ciência ocidental ainda estava longe de compreender.

Pois é — enquanto o mundo buscava curas em laboratórios ultramodernos, um grupo de pesquisadores brasileiros, muitos deles nordestinos, descobria no litoral de Alagoas um composto capaz de desafiar tumores.

Hoje, a Própolis Vermelha é um patrimônio científico e também um símbolo cultural, porque mostra que a ciência também nasce da observação sensível, do diálogo com a natureza, da curiosidade do povo.

E foi essa curiosidade que, ao longo dos anos, começou a se espalhar pelo Nordeste inteiro.

A ciência com alma nordestina


O Ceará guarda nas pedras do Geoparque Araripe fósseis que contam a história da vida — pterossauros, insetos, plantas, registros de milhões de anos.

É o sertão mostrando ao mundo que ali, onde o solo é seco e a vida exige resistência, também se esconde um pedaço do passado do planeta.

No Piauí, pesquisadores estudam plantas medicinais usadas há séculos por comunidades locais — transformando o que antes era apenas “saber popular” em conhecimento validado, com potencial farmacológico real.

E no Rio Grande do Norte, laboratórios e startups de biotecnologia estudam o hidrogênio verde e outras soluções sustentáveis que podem, em breve, reposicionar o Brasil no mapa da energia limpa.


Cada um desses exemplos me faz pensar o quanto o Nordeste tem produzido ciência, mesmo quando ninguém olha.

E foi aí que eu me lembrei da minha própria terra — Sergipe.

Sergipe: o pequeno grande laboratório

Sergipe é o menor estado do Brasil, mas quem é sergipano sabe: a gente nunca se mediu por tamanho.

Aqui, onde tudo parece mais modesto, tem brotado uma energia nova — uma mistura de curiosidade, estudo e orgulho que começa a se espalhar pelas escolas, universidades e instituições de pesquisa.

A Fapitec/SE tem incentivado jovens cientistas, com feiras, bolsas e editais que, para muitos, são o primeiro passo de uma jornada transformadora.

Foi assim que Alexsandra Sotero Cruz, uma estudante sergipana, ganhou destaque nacional ao criar sabões ecológicos e sanitizantes em plena pandemia.


Nada de laboratório caro ou financiamento estrangeiro — apenas talento, sensibilidade e o desejo genuíno de ajudar as pessoas ao redor.

Na UFS, o movimento é intenso.

Pesquisadores se envolvem em projetos que vão da educação e alfabetização à saúde pública e biocombustíveis.

O NUPEG, por exemplo, já é referência em estudos de petróleo e gás, mas também tem olhado para o futuro — para as novas formas de energia que podem equilibrar progresso e sustentabilidade.

O governo estadual, por meio da Fapitec, lançou mais de 17 editais e investiu cerca de R$ 11 milhões em menos de um ano.

Pode parecer pouco se comparado a grandes centros, mas, para quem conhece a realidade de Sergipe, sabe o peso que isso tem: é o Estado dizendo que acredita em quem pensa.

O Nordeste que se redescobre

Eu gosto de pensar que estamos vivendo um tempo em que o Nordeste deixa de ser visto apenas como terra de resistência — e passa a ser reconhecido como terra de invenção.

E isso muda tudo.

Porque o que começa com uma abelha no mangue de Alagoas pode inspirar um estudante em Aracaju, um professor em Lagarto, um pesquisador em Crato ou um inventor em Caicó.

É uma cadeia invisível de inteligência e afeto, que desafia os estereótipos e reescreve a história da nossa própria capacidade.

A ciência feita aqui é humana, é empírica, é curiosa, mas também é moderna e potente.

Ela nasce da terra, da vivência e da escuta.

E talvez seja justamente isso que o mundo anda precisando: ciência com alma.

Quando o Brasil olhar para o Nordeste

Como jornalista e como nordestino, eu aprendi que às vezes o que falta não é visibilidade, é vontade de enxergar.

O Nordeste não quer piedade — quer parceria.

Não quer palanque — quer investimento.

E não precisa provar nada: já provou com suor, com arte, com resistência e agora, com ciência.

A Própolis Vermelha de Alagoas é o exemplo mais poético disso: do mangue à molécula, do Nordeste ao mundo.

Mas poderia ser também o sabão ecológico sergipano, o fóssil cearense ou a planta medicinal piauiense.

Tudo isso é Nordeste. Tudo isso é Brasil.

E talvez, um dia, o país finalmente entenda que o futuro da ciência brasileira pode estar, sim, onde o sol nasce primeiro.


Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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