DE PEIXE INOCENTE A VILÃO AMBIENTAL: COMO A TILÁPIA VIROU MOEDA DE TROCA NOS NEGÓCIOS BRICS-JBS
POR TIAGO HÉLCIAS

Eu venho observando a política brasileira há quase três décadas, e confesso: poucas coisas me surpreendem. Mas a história recente da tilápia merece um capítulo à parte. O peixe mais consumido no Brasil, que alimenta milhares de famílias do Norte ao Sul, de repente ganhou o pomposo selo de “espécie exótica invasora”. Não bastasse isso, a nossa velha conhecida JBS foi autorizada a importar nada menos que 700 toneladas dessa mesma tilápia — só que do Vietnã.
Você leu certo. Não é pegadinha, não é meme. É Brasil, território onde o absurdo passou há muito tempo da categoria “surpresa” e hoje figura na prateleira de “o de sempre”.
Quando o peixe vira vilão (mas só pra quem cria)
Vamos lá: o Ministério do Meio Ambiente colocou a tilápia na Lista Nacional Oficial de Espécies Exóticas Invasoras. Tudo bem — tem estudo, tem argumento técnico, tem os caras de jaleco branco dando entrevista. Mas, ao mesmo tempo, eles garantem que ninguém vai ser proibido de criar tilápia. Ou seja: ela é uma invasora, mas pode continuar sendo criada à vontade. Me soa quase como dizer que alguém é criminoso, mas pode continuar circulando, desde que não incomode muito.
E no Brasil, a piscicultura já está apavorada. Não pelas tilápias — essas estão nos tanques, trabalhando. Quem está preocupado é o criador, que teme, com razão, uma avalanche de burocracia, licenciamento mais lento, fiscalização mais dura. E quem investe milhões em um setor desses sabe: incerteza é pior que tempestade.
A JBS entra: e o cheiro de déjà vu sobe
Mas o capítulo de ouro dessa história ninguém tira: exatamente no momento em que o governo carimba a tilápia como invasora, a JBS — sim, aquela mesma, a maior processadora de proteínas do mundo e campeã da Lava Jato — abre oficialmente as portas para importar toneladas de tilápias… do Vietnã.
Reconhece o roteiro? É aquele em que uns vão se ferrar com mais uma teia burocrática e o “campeão nacional” surfa a onda, com canetaço, influência e diplomacia econômica.
Não é coincidência. Foi um dos acordos fechados durante o BRICS: a carne bovina brasileira entra no Vietnã e, em troca, o peixe vietnamita entra aqui. Adivinha quem ganha nas duas pontas da equação? Bingo: a JBS.
Lá atrás, Joesley e Wesley Batista confessaram ter irrigado campanhas, bolsos e gabinetes com R$ 1 bilhão em propina. Ganharam crédito estatal generoso, construíram impérios mundo afora, foram pegos, gravaram presidente, delataram meio Congresso — e voltaram para o jogo, mais fortes do que nunca.
Esse é o Brasil onde o crime compensa. Bastante.
Um país que precisa escolher que peixe quer criar
A verdade é que a tilápia virou apenas uma metáfora. Por trás dela, a gente vê o velho Brasil: ainda dependente de multinacionais com sobrenome brasileiro, ainda incapaz de proteger pequenos e médios produtores, ainda refém de uma mentalidade em que governos “técnicos” dizem uma coisa enquanto “políticos” fazem outra.
E, de novo, quem paga a conta são os milhões que geram trabalho, comida, renda e desenvolvimento no país real — aquele que não viaja em missão diplomática, aquele que não tem linha direta com ministério nem se reúne no Jaburu.
A questão é: vamos continuar achando que o peixe é a tilápia ou vamos finalmente apontar o dedo para quem realmente invade, domina e destrói?
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
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