DA ERA ANALÓGICA AO ATAQUE ONLINE: COMO O ASSÉDIO DIGITAL AMEAÇA QUEM VIVE DA NOTÍCIA

POR TIAGO HÉLCIAS 


Há mais de 30 anos, quando dei meus primeiros passos no jornalismo, ainda com cheiro de fita de VT, câmera no ombro e o telefone fixo tocando na redação, ninguém poderia imaginar o tamanho da transformação que a profissão enfrentaria. Eu venho de uma geração que aprendeu a apurar na rua, a negociar informação no olho no olho, a sentir o impacto da notícia na respiração das pessoas.

Era um outro mundo — analógico, direto, com pressões reais, sim, mas de outra natureza.

O que eu não sabia é que, décadas depois, as maiores ameaças não viriam de um político irritado, de um empresário poderoso ou de uma pauta perigosa na periferia.

Viriam da tela.

De um celular.

De uma timeline anônima.


E não só contra mim — mas contra toda uma categoria.


Um Alerta que Ecoa no Estômago de Quem Já Viveu Muito de Redação

Em novembro de 2025, a ONU trouxe um dado que, para quem já viu muita coisa, ainda assim arrepia: uma em cada quatro jornalistas recebe ameaças online, incluindo ameaças de morte.

Eu já cobri tragédia, política pesada, violência urbana, desastres naturais — e sei medir quando um indicador tem peso de alerta global. Este tem.

E não é exagero dizer que essa nova forma de ataque mudou completamente a maneira como se faz jornalismo.

Mudou e continua mudando.

A pressão que antes vinha do calor do ao vivo, da cobrança do chefe de reportagem, da pauta difícil, agora se mistura com uma avalanche de ódio digital — muitas vezes calculado, coordenado e impulsionado por estruturas que têm um objetivo muito claro: calar.


As Mulheres na Linha de Frente do Ódio Digital

Se eu, homem, com três décadas de estrada, já sinto o peso dessa violência online, imagine as mulheres. O alvo preferencial.

A ONU reforça que jornalistas mulheres, ativistas e defensoras de direitos humanos são particularmente atacadas nas redes — e isso não é novidade. Em 2018, a RSF já tinha mostrado que dois terços delas sofreram assédio, e que 25% desse abuso acontecia online.

Sete anos depois — a mesma proporção.

Os números mudam, as plataformas mudam, os algoritmos mudam.

O ódio, não.

E a gente vê isso acontecer todos os dias.

Eu Vi o Jornalismo Mudar — e Vi o Ódio Sofisticar

Ao longo da minha carreira — passando pelas principais emissoras do país, trabalhando em São Paulo, Sorocaba, Salvador, Recife, Acre, Amapá, Rondônia, Sergipe, Alagoas — eu aprendi que a pressão faz parte do pacote. O jornalismo não é profissão para quem busca conforto.

Mas o que acontece hoje é diferente.

É organizado.

É tecnológico.

É covarde.

A RSF - Repórteres sem fronteiras, descreve o processo como uma espécie de “máquina de silêncio”, e é exatamente isso. O ataque não é um comentário isolado. É um esforço coordenado para destruir reputações, desacreditar matérias e intimidar profissionais.


Funciona como uma engrenagem:

1. Desinformação

Tenta-se inundar a rede com mentiras sobre a reportagem ou o repórter.


2. Amplificação artificial

Bots, perfis falsos e contas coordenadas replicam o ataque para parecer que “todo mundo pensa assim”.


3. Intimidação direta

Aí vêm os insultos, a difamação e, no pior cenário — cada vez mais comum — as ameaças de morte.


E é aqui que o jornalismo e a democracia se encontram: no ponto em que o medo tenta calar a verdade.


A Autocensura É o Maior Inimigo Invisível

Eu aprendi, na prática, que jornalista não se dobra fácil.

Mas também sei que ninguém é de ferro.

A UNESCO aponta que o assédio digital já levou muitas profissionais — principalmente mulheres — a abandonarem a carreira, a evitarem certos temas e a restringirem sua atuação. Isso tem impacto direto na sociedade: menos investigação, menos diversidade de vozes, menos democracia.

E este talvez seja o maior risco de todos.

Porque quando o medo vira filtro, a informação perde peso.


E Por Que Eu volto a falar disso Agora?

Porque sou parte dessa história.

Trinta anos dentro da notícia me deram uma perspectiva que pouca gente tem: eu vi o jornalismo atravessar eras, linguagens, tecnologias — e agora vejo a profissão enfrentar o desafio mais silencioso e mais profundo que já conheci.

Não é nostalgia.

É constatação.

O jornalismo ainda é — e sempre será — a linha que separa a sociedade da escuridão da ignorância.

Mas essa linha está sob ataque.

E proteger quem faz jornalismo não é um favor.

É uma necessidade democrática.

A Verdade Continua Valendo a Pena — Mas Está Mais Cara

Hoje, cada profissional que insiste em apurar, publicar, questionar e denunciar paga um preço — emocional, psicológico e às vezes físico — que não existia na mesma escala há duas décadas.

Os dados estão aí.

Os ataques estão aí.

O risco está aí.

Mas também está aí a nossa responsabilidade:

Governos, plataformas, leitores, sociedade civil — todos precisamos enfrentar essa máquina de ódio.

Porque a verdade não pode morrer sufocada numa caixa de comentários. 


Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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