525 ANOS DEPOIS, PORTUGAL E BRASIL DESCOBREM QUE TALVEZ DESCOBRIRAM TUDO ERRADO

POR TIAGO HÉLCIAS 


Sabe aquela história que você aprendeu na escola?

Aquela do “no dia 22 de abril, Cabral avistou um monte muito alto e redondo, ancorou em Porto Seguro, beijou a areia, ergueu a cruz e deu início ao Brasil”?

Pois é.

Talvez tudo isso tenha acontecido — só que no lugar errado.

Uma nova pesquisa, assinada pelos físicos Carlos Chesman (UFRN) e Carlos Furtado (UFPB), publicada no respeitado Journal of Navigation da Universidade de Cambridge, resolveu fazer aquilo que muita gente tem medo: revisar a versão oficial da História com base em dados, simulações, cálculos e — veja só — lógica.

Se você está achando que vem polêmica por aí, acertou. Sente, respire, e vamos nessa.

Quando a física decide ensinar história

A dupla de pesquisadores resolveu revisitar um dos maiores ícones do imaginário nacional: o suposto primeiro desembarque de Pedro Álvares Cabral no Brasil. Usaram tudo o que a tecnologia moderna pode oferecer:

simulações de ventos e correntes do Atlântico Sul,

batimetria (a profundidade real do mar — que determina onde uma caravela do século XVI poderia ou não ancorar sem virar uma tartaruga),

cálculos de distância desde a saída de Cabo Verde (cerca de 4 mil km),

análise topográfica,

e expedições de campo.

Também voltaram ao texto mais sagrado dessa narrativa:

a Carta de Pero Vaz de Caminha, o relato original da viagem.

E foi aí que as luzes acenderam:

o “monte mui alto e redondo” descrito por Caminha, tradicionalmente associado ao Monte Pascoal, não bate com a rota reconstruída pela física — nem com os ventos, nem com as correntes, nem com as profundidades do mar.

Segundo os pesquisadores, entre a Bahia e o Rio Grande do Norte, apenas um local encaixa tão perfeitamente na descrição quanto nas simulações:

O litoral potiguar, mais especificamente a faixa entre Rio do Fogo e São Miguel do Gostoso.

Sim, meu amigo:

Tem gente dizendo que Cabral pode ter desembarcado em São Miguel do Gostoso.

A História às vezes gosta de ironizar.

O tal “grande monte” — Pascoal ou Serra Verde?

Historicamente, Monte Pascoal foi eleito o “primeiro ponto avistado” pelos portugueses. Tem placa, tem monumento, tem aula, tem livro didático. Tudo muito bonitinho.


Mas Chesman e Furtado jogaram água no chope:

Monte Pascoal não tem a forma exata descrita por Caminha.

O ângulo em que teria sido avistado pela frota é incompatível com a rota provável.

As profundidades próximas não permitiriam ancoragem segura da expedição.

E, se Cabral estivesse naquela distância de Pascoal no dia relatado, a conta náutica simplesmente não fecha.

Já o Serra Verde, no Rio Grande do Norte, bate com a descrição textual, a posição geográfica e a rota navegável. Para melhorar: o rio citado por Caminha também aparece ali — com características muito semelhantes às descritas pelo escrivão.

Caminha fala em um “rio de bons sinais”.

Chesman e Furtado apontam o Rio Punaú, que deságua justamente na praia de Zumbi, pertinho de Rio do Fogo.

Se juntarmos monte + rio + rota, dá um caldo que nenhum historiador pode simplesmente ignorar.

Bahia x Rio Grande do Norte: a disputa pelo “primeiro beijo” do Brasil

E aí, meu amigo, começou a guerra santa — ou, pelo menos, uma treta digna de Ceará x Pernambuco discutindo quem inventou o forró.

A Bahia sempre foi dona dessa narrativa.

O turismo cresceu em cima disso.

A identidade histórica da região está atrelada à ideia de “berço do Brasil”.

Mas o Rio Grande do Norte levantou a mão e disse:

“Peraí. Se Cabral chegou aqui primeiro, vamos renegociar essa conta.”

E agora os lados se dividem…


Os defensores da Bahia dizem:

A tradição histórica tem peso.

A carta de Caminha sempre foi interpretada dessa forma.

Há registros cartográficos posteriores reforçando a hipótese baiana.

E, convenhamos, “Porto Seguro” soa muito mais épico que “Rio do Fogo”.


Os defensores do RN respondem:

A tradição não é argumento científico.

A rota náutica não combina com a hipótese baiana.

As evidências naturais batem perfeitamente com a costa potiguar.

E “Praia de Gostoso” é, no mínimo, mais simpática que “Porto Seguro”.

A verdade? Talvez nenhuma das duas — ainda.

O estudo reacende o debate, mas não encerra.

Historiadores tradicionais acusam os físicos de “excesso de confiança tecnológica” e “ausência de interdisciplinaridade”.

Os físicos respondem que os historiadores usam mapas do século XVI como se fossem Google Maps — e que a ciência moderna está aí justamente para corrigir estimativas.

No meio disso tudo, fica a sensação deliciosa de que:

Talvez a maior história do Brasil tenha sido contada com o mapa virado ao contrário.

E isso, convenhamos, tem toda a cara do Brasil.

E agora, José? Ou melhor: e agora, Pero Vaz?

A pesquisa não reescreve a história ainda — mas abre uma porta importante.

Uma porta que talvez estivesse trancada por séculos, protegida pelo hábito, pelo turismo, pela tradição e, claro, pelo orgulho regional.

Talvez Cabral realmente tenha chegado à Bahia.

Talvez tenha sido no RN.

Talvez nem ele tenha entendido direito — afinal, quem nunca errou a rota sem Waze?

O que importa é que o debate voltou com força, e com ele a chance de revisitar nossa formação, entender nuances e perceber que o Brasil não começa numa placa fixa, mas numa história dinâmica.

A repercussão em Portugal — e o silêncio desconfortável dos Descobrimentos

Aqui em Portugal, onde vivo e observo as conversas de perto, a repercussão tem sido… digamos… curiosa.

Para muitos portugueses, especialmente os mais ligados à História Náutica, o estudo é quase uma diversão intelectual:

“Ah, claro, é possível… as correntes… os ventos… a navegação de Cabral…”

— dizem com aquele cuidado diplomático de quem sabe que qualquer detalhe revisado sobre Descobrimentos vira faísca internacional.

Outros já demonstram certo desconforto:

mexer na rota de Cabral é mexer num dos grandes símbolos da epopeia marítima portuguesa.

Não chega a ser tabu — mas passa perto.

E há ainda os mais práticos, aqueles portugueses que olham a notícia, dão um gole no café e dizem:

“Bem… descoberto foi. Agora onde, isso não muda muito.”

Muda sim — mas vá explicar isso para quem tem 900 anos de história nas costas e uma relação muito própria com seu passado marítimo.

De qualquer forma, o tema entrou em mesas de conversa, reportagens, cafés, grupos de WhatsApp e até em discussões entre historiadores e navegadores lusitanos. E cá entre nós:

é divertido ver Portugal e Brasil discutindo, 525 anos depois, como quem tenta reconstruir uma rota de Uber sem print da corrida.

Uma história que — finalmente — está sendo questionada.

Uma história que, se depender dos potiguares, vai ganhar novo endereço no Google:

“Aqui se descobriu o Brasil.”

E, sinceramente?

Se for pra espalhar verdades, mitos, debates e boas risadas, que seja Gostoso mesmo.


Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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