GILMAR MENDES DISSE O QUE PORTUGAL NÃO QUER OUVIR — E, VEJA SÓ, EU TIVE QUE CONCORDAR
POR TIAGO HÉLCIAS
Veja como são as coisas. O homem que tantas vezes virou alvo de críticas — e não poucas vezes merecidas — resolveu abrir a boca em Lisboa… e, ironicamente, disse exatamente o que muitos imigrantes brasileiros já gritam há anos. E o pior (ou o melhor): ele está certo.
Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, chamou o sistema de imigração português de “caótico e desorganizado”. Disse o óbvio — mas dito por um juiz brasileiro, o assunto virou ofensa nacional. Bastou a entrevista à CNN Portugal para que a classe política lusitana se ouriçasse, com direito a notas indignadas, discursos sobre soberania e a tradicional frase de efeito: “Portugal não precisa de lições”.
Mas, convenhamos: quando o orgulho grita demais, é sinal de que a ferida está aberta.
A FERIDA CHAMA-SE BUROCRACIA
Quem vive em Portugal e já tentou lidar com a AIMA (a nova encarnação do antigo SEF) sabe: não é preciso um inimigo externo para apontar o caos — basta tentar agendar uma consulta, renovar um título de residência ou trazer um familiar legalmente. É uma epopeia moderna, com capítulos de espera infinita, respostas automáticas e o suspense de um e-mail que nunca chega.
O ministro apenas descreveu o que qualquer imigrante sente na pele: o Estado português se orgulha de acolher, mas tropeça quando precisa gerir. E quando o caos administrativo se mistura com a vaidade política, o resultado é previsível — o problema vira tabu.
O ORGULHO LUSO E O ECO BRASILEIRO
O vice-presidente do Chega, Pedro dos Santos Frazão, foi o primeiro a reagir. E reagiu como um touro: cabeça baixa e impulso. Disse que o Brasil é que deveria “pôr ordem na sua própria casa”. Tradução: em vez de encarar o espelho, quebrou o espelho. Veja:
Só que o eco da fala de Gilmar já se espalhava. E não apenas entre políticos — a comunidade brasileira, advogados e jornalistas em Portugal viram ali uma rara confirmação de algo que sempre foi tratado com silêncio institucional: a imigração anda emperrada.
LULA E O REAGRUPAMENTO: TARDE, MAS VEIO
Enquanto isso, lá do outro lado do Atlântico, o presidente Lula — talvez sensibilizado, talvez pressionado — resolveu manifestar “preocupação” com o endurecimento das regras de reagrupamento familiar em Portugal.
Pois é, Lula descobriu o problema justo agora. A nova lei, aprovada pelo Parlamento português, complicou a vida de quem tenta trazer o cônjuge, os filhos ou até os pais. E, de repente, o Itamaraty acordou. Melhor tarde do que nunca — mas o timing político revela o tamanho do desconforto diplomático.
O presidente tenta evitar que a pauta da imigração — um tema caro à comunidade brasileira — vire uma dor de cabeça internacional. Mas, para quem está esperando o processo andar, discurso bonito não paga taxa nem encurta prazo.
ENTRE A DIGNIDADE E O CARIMBO
O fato é que Portugal vive um dilema: quer ser o porto seguro da lusofonia, mas ainda trata o imigrante como um visitante provisório. O país que fala em “fraternidade atlântica” ainda não aprendeu que o maior teste de civilização não está nos salões de gala de Belém, mas na fila de espera da AIMA.
E quando um ministro brasileiro vem dizer isso em voz alta — com aquele tom professoral que só ele tem — a reação não é de autocrítica, é de orgulho ferido.
Mas, às vezes, é preciso mesmo que alguém de fora diga o que todo mundo sabe e ninguém tem coragem de admitir.
NO FIM DAS CONTAS…
Pela primeira vez, sim, eu concordo com Gilmar Mendes.
E, se quiserem me acusar de heresia, que acusem — porque a verdade é simples: a imigração em Portugal está travada, e a burocracia virou uma máquina de moer paciência e sonhos.
Portugal precisa parar de se ofender com quem aponta o problema e começar a se incomodar com o problema em si.
Porque soberania nenhuma justifica deixar famílias separadas, vidas paradas e processos pendurados entre o “aguarde” e o “volte daqui a seis meses”.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
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