ENTRE O SILÊNCIO E A LUZ: UMA HOMENAGEM A PAIVA NETTO E À MISSÃO DE AMAR DA LBV
POR TIAGO HÉLCIAS
Em um tempo de tanta pressa e frieza, recordar a trajetória de José de Paiva Netto é reacender a chama da empatia, da fé e do amor ao próximo.
Soube, pelas redes sociais, da morte de José de Paiva Netto, presidente da Legião da Boa Vontade (LBV), que partiu aos 84 anos, deixando uma trajetória marcada pela fé, pela caridade e pela dedicação ao próximo. A notícia, divulgada nesta terça-feira, 7 de outubro de 2025, mexeu comigo.
Paiva Netto não era apenas uma figura pública; era alguém cuja obra espiritual e social atravessou gerações e fronteiras. Jornalista, radialista, escritor e um dos grandes líderes humanitários do país, ele comandava a LBV desde 1979, dando continuidade à missão iniciada por Alziro Zarur — e transformando-a num dos movimentos mais sólidos e respeitados de assistência e educação com base espiritual do Brasil.
Quando vi a notícia, parei. Respirei. Fiquei em silêncio por alguns instantes e fiz algumas reflexões que compartilho aqui.
Há acontecimentos que não passam apenas diante dos olhos — eles atravessam a alma. E essa partida me trouxe à memória um momento de muitos anos atrás, quando estive em Brasília e visitei o Templo da Boa Vontade, uma das maiores obras erguidas sob a inspiração de Paiva Netto. Muito antes, ainda criança, lembro de suas mensagens de fraternidade na tv.
Quis o destino, que ao me tornar profissional de comunicação, eu tivesse a chance de conhecer de perto seu trabalho nas diversas reportagens que realizei…
Na capital federal, Lembro-me bem da sensação ao entrar naquele espaço. O chão em forma de espiral, que convida à introspecção; a energia que parece circular em silêncio; e o cristal no topo da pirâmide, irradiando uma luz suave que toca o coração. Ali, a espiritualidade se mistura à arquitetura e cria uma atmosfera de equilíbrio.
Hoje, essa lembrança voltou com força. E junto dela, o desejo de revisitar a história de quem construiu — e multiplicou — esse legado de fé ativa e amor em movimento.
A História que Começou no Rádio
A Legião da Boa Vontade (LBV) nasceu em 1º de janeiro de 1950, pelas mãos de Alziro Zarur, um radialista visionário que acreditava que o mundo podia ser melhor se as pessoas colocassem o coração para trabalhar.
Zarur falava aos microfones com uma convicção rara, inspirando multidões. Seu programa “Hora da Boa Vontade” não era apenas um espaço de fé, mas um convite à ação. Era o embrião de um projeto que cruzaria gerações.
O nome da instituição ecoa a passagem bíblica que se tornaria seu lema: “Glória a Deus nas alturas, e paz na Terra aos homens de boa vontade.”
Zarur pregava algo revolucionário para sua época — e ainda é: a união das religiões em torno de um ideal maior, o da fraternidade humana. Daí nascia a Cruzada de Religiões Irmanadas, o embrião do que viria a ser um movimento global de solidariedade e espiritualidade ecumênica.
Paiva Netto: O Homem que Transformou a Boa Vontade em Ação Global
Quando José de Paiva Netto assumiu a LBV, em 1979, após o falecimento de Zarur, muita gente imaginava que a missão seria impossível de continuar. Mas ele não apenas manteve o projeto — ele o expandiu.
Paiva Netto foi jornalista, radialista, escritor, compositor e, acima de tudo, um humanista. Acreditava em uma Cidadania com Espiritualidade, uma sociedade que não separa razão e fé, pensamento e sentimento.
Sob sua liderança, nasceram o Templo da Boa Vontade (1989) e o ParlaMundi da LBV (1994) — símbolos não apenas arquitetônicos, mas espirituais, voltados ao diálogo, à cultura e à paz.
Ele também foi responsável pela criação da Super Rede Boa Vontade de Comunicação, pela fundação do Fórum Mundial Espírito e Ciência e pela publicação de dezenas de livros que alcançaram milhões de leitores.
Mas mais do que números, Paiva Netto deixou uma marca invisível e profunda: a de alguém que acreditava que educar o espírito é tão essencial quanto alimentar o corpo.
Educar com o Coração: A LBV que Transforma Vidas
A LBV é hoje uma referência internacional em educação com espiritualidade ecumênica. Sua metodologia une a Pedagogia do Afeto e a Pedagogia do Cidadão Ecumênico — dois pilares que unem conhecimento e sensibilidade, formando não apenas alunos, mas seres humanos mais conscientes.
É um trabalho que vai muito além da assistência social: é uma missão de dignidade, inclusão e esperança.
O reconhecimento também veio de fora. Desde 1994, a LBV mantém relação consultiva com a ONU, e desde 1999, possui status consultivo geral junto ao Conselho Econômico e Social (Ecosoc) — o mais alto nível concedido a uma ONG.
Atualmente, a instituição atua em países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Portugal e Estados Unidos, sempre com o mesmo princípio: “Auxílio material somado à espiritualidade ecumênica.”
A Boa Vontade Nordestina
Em Sergipe, as ações começaram em janeiro de 1982, na capital Aracaju. Lá, a LBV tornou-se uma presença constante na vida de milhares de famílias, com programas socioeducativos, entrega de kits escolares e ações que resgatam autoestima e cidadania.
Poucos meses depois, em março de 1982, Maceió também recebeu a Legião da Boa Vontade. Desde então, a instituição é um farol de apoio e oportunidade para famílias em situação de vulnerabilidade, levando afeto e educação onde o poder público não chega.
Um Chamado em Tempos de Indiferença
A notícia da partida de Paiva Netto me trouxe à tona uma constatação que talvez seja o maior ensinamento que ele e Zarur deixaram: a caridade não é um ato, é um estado de espírito.
Vivemos tempos de pressa e frieza, em que o sofrimento alheio parece distante, e a empatia virou artigo de luxo. A LBV, com sua história e suas obras, vem nos lembrar de que o mundo não muda por decreto — muda por exemplo.
A boa vontade, quando verdadeira, é uma força revolucionária.
Talvez por isso, ao olhar para aquele cristal no topo do Templo, eu tenha sentido algo que não sei explicar — uma paz que não vem de fora, mas de dentro.
Porque, no fim das contas, é isso que a LBV representa: a certeza de que amar ainda vale a pena.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
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