ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS EM PORTUGAL: UM TESTE PARA A DEMOCRACIA E UM DESAFIO PARA OS BRASILEIROS NAS URNAS

POR TIAGO HÉLCIAS

“Observar uma eleição fora do Brasil é, ao mesmo tempo, familiar e estranho. Familiar porque a política pulsa do mesmo jeito — com paixão, disputa e estratégia. Estranho porque, aqui em Portugal, cada detalhe parece revelar uma outra forma de entender o poder local. E é nesse contraste que esta eleição autárquica ganha um sabor especial.”

Sou jornalista há quase três décadas, com especialização em marketing político, e já vivi de bem perto o calor das campanhas no Brasil, com a experiência de ter participado de várias campanhas eleitorais — aquelas que fazem o eleitor vibrar, se dividir, discutir nas esquinas e nos grupos de WhatsApp. Mas aqui em Portugal, onde vivo há alguns anos, o ritmo é outro. Mais silencioso, mais racional — e, ao mesmo tempo, carregado de significados profundos.

Neste domingo, 12 de outubro de 2025, os portugueses vão às urnas para escolher seus representantes locais. São as chamadas eleições autárquicas, uma espécie de “municipais” à moda lusitana. Eu também estive por aqui nas últimas eleições legislativas, mas confesso: o clima agora é completamente diferente. Se antes o debate girava em torno do país, agora o olhar se volta para as cidades — para o que é concreto, próximo e cotidiano.

UM SISTEMA QUE MISTURA PRAGMATISMO E TRADIÇÃO

Entender o sistema eleitoral português é quase um exercício de tradução política.

Ao contrário do Brasil, onde elegemos prefeitos e vereadores separadamente — com voto direto e, muitas vezes, um segundo turno acirrado —, aqui tudo é decidido por listas partidárias.

Nas eleições autárquicas, o eleitor escolhe uma lista, e é o partido (ou coligação) que define os nomes e a ordem de cada candidato. O presidente da Câmara Municipal — o equivalente ao nosso prefeito — é automaticamente o primeiro nome da lista mais votada.

Há também as Assembleias Municipais e as Juntas de Freguesia, órgãos que completam a estrutura administrativa local. E todas seguem o mesmo modelo: representação proporcional pelo método de Hondt, um sistema matemático que distribui as cadeiras conforme o total de votos recebidos por cada lista.

Na prática, o eleitor português vota mais no partido do que na pessoa — uma lógica que privilegia a coerência política, mas que, para nós, brasileiros acostumados a campanhas centradas em figuras carismáticas, soa quase impessoal.

PORTUGAL X BRASIL: DUAS CULTURAS DE VOTO

É impossível não comparar.

No Brasil, o voto é obrigatório, e as campanhas são espetáculos à parte — com jingles, debates inflamados e cabos eleitorais disputando calçadas. Aqui, a política tem outro ritmo: as ruas não são tomadas por bandeiras, e o voto é, sobretudo, um ato voluntário de consciência.

E é justamente aí que mora a diferença mais marcante.

Enquanto o eleitor brasileiro é, muitas vezes, movido pela emoção, o português tende a decidir com base em pragmatismo — ainda que, nos últimos anos, essa racionalidade venha sendo testada pelo avanço do discurso populista, especialmente à direita e à extrema-direita.

O VOTO DOS IMIGRANTES: UM DIREITO QUE MUITOS DESCONHECEM

Outro ponto que me chama atenção — e que poucos brasileiros percebem — é que nós também podemos votar aqui.

Sim, brasileiros com residência legal há mais de dois anos têm direito de participar das eleições autárquicas. E, com quatro anos de residência, podem até ser candidatos. É um direito garantido por acordos de reciprocidade entre os dois países.

Mas, apesar de sermos mais de meio milhão de brasileiros em Portugal, apenas 2% da comunidade se registrou para votar este ano. É pouco, quase simbólico. A falta de informação e o fato de o voto não ser obrigatório ajudam a explicar o desinteresse.

Conversando com outros conterrâneos, percebo que muitos sequer sabiam dessa possibilidade. Outros dizem não se sentir “parte” da política local — um erro comum entre quem migra, mas que, no fundo, priva o imigrante de influenciar diretamente o lugar onde vive.

UM PAÍS EM RECONFIGURAÇÃO: A ASCENSÃO DA DIREITA

Se há algo que une o cenário português ao brasileiro é o vento político que sopra da direita.

Nas autárquicas de 2021, o Partido Socialista (PS) ainda liderou, mas o mapa eleitoral já começava a mudar. O Partido Social Democrata (PSD) ganhou força, e o Chega (CH) — partido de extrema-direita — surpreendeu com mais de 4% dos votos.

De lá para cá, o Chega se consolidou como voz dissonante e populista, capaz de capturar insatisfações locais e transformá-las em discurso nacionalista. É uma narrativa que lembra muito o que vimos surgir no Brasil há alguns anos: a política do “basta”, o ressentimento social convertido em pauta eleitoral.

As sondagens para 2025 indicam que o PSD pode sair vitorioso em diversos concelhos, enquanto o Chega deve ampliar sua presença local. A esquerda, por sua vez, tenta resistir ao desgaste e à dispersão, num cenário de descrédito que já não é exclusividade brasileira.

UM CHAMADO À CONSCIÊNCIA

Amanhã, quando as urnas abrirem, Portugal viverá mais um capítulo de sua democracia — e eu, como jornalista e imigrante, observo tudo com a mesma curiosidade e respeito que dediquei às eleições no meu país.

O que me impressiona aqui é o caráter silencioso do processo. Não há buzinaço, nem multidões nas praças, nem clima de torcida. Mas há maturidade democrática. Há um sentido de continuidade que, por vezes, falta ao eleitor brasileiro, acostumado à política como espetáculo.

Ainda assim, há desafios claros: a crescente polarização, o avanço da extrema-direita e o desinteresse cívico de boa parte dos imigrantes. É neste contexto que o voto — mesmo o de um estrangeiro legalmente residente — ganha um valor simbólico enorme.

Porque votar, aqui, não é apenas escolher um representante.

É afirmar pertencimento, é dizer:

“Eu vivo aqui, contribuo aqui e quero fazer parte do futuro deste país.”

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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