DO SONHO ÀS CINZAS: A MORTE DO SERGIPANO ATHILA E O TRIUNFO DA IMPUNIDADE BRASILEIRA

Era sergipano. Tinha 14 anos. Chamava-se Athila Paixão.

Um menino de Lagarto que sonhava em driblar a pobreza com as chuteiras nos pés. Filho de um Brasil que ainda acredita que o talento pode abrir portas onde o destino insiste em trancá-las.

Mas, naquele 8 de fevereiro de 2019, o destino não esperou o apito final. O fogo consumiu Athila e mais nove garotos no alojamento do Flamengo, o “Ninho do Urubu”. Que ironia cruel — um lugar com nome de abrigo, mas que virou armadilha mortal, feita de contêineres inflamáveis e promessas vazias.

Seis anos depois, a Justiça decidiu que ninguém é culpado. Ninguém!!

O juiz concluiu que não havia “culpa penalmente relevante” nem “nexo causal seguro”. Em português claro: morreram, mas foi azar.

E assim, mais uma vez, o Brasil oficial carimba sua marca registrada — a impunidade que assina embaixo da tragédia.

O BRASIL QUE ENTERRA SEUS SONHOS

Athila era o nosso menino. Sergipano, franzino, determinado, de sorriso largo e olhos grandes o suficiente para enxergar o futuro. Mas o que sobrou dele caberia numa urna pequena, fria, devolvida à terra de onde saiu.

O corpo voltou para casa, mas a esperança ficou carbonizada no Rio de Janeiro, junto com as chuteiras, o uniforme e a fé de milhares de famílias que sonham o mesmo sonho.

E o pior é que o Brasil nem se espanta mais. A cada nova sentença, a cada novo corpo invisível, a indignação vai sendo domesticada. A Justiça, que deveria consolar, vira cúmplice do esquecimento.

A absolvição dos réus — dirigentes, funcionários, gente com crachá e sobrenome forte — é o lembrete cruel de que, neste país, quem tem poder tem perdão antes mesmo do julgamento.

O FUTEBOL COMO INDÚSTRIA DE CORPOS

O Flamengo, esse gigante bilionário que se autoproclama “o maior do Brasil”, vive cercado por uma redoma de idolatria e marketing que encobre um histórico de descaso, arrogância institucional e crises éticas recorrentes. O clube que ostenta cifras milionárias em patrocínios, transmissões e contratações internacionais não foi capaz de garantir o básico: segurança para meninos de 14, 15 anos, alojados em contêineres ilegais, sem alvará e com fiação exposta. É o mesmo Flamengo que corre para divulgar balanços de lucros recordes, mas que arrasta acordos judiciais com famílias devastadas pela perda de seus filhos — como se a indenização lavasse a culpa.

Um clube que se vende como exemplo de gestão moderna, mas que não assume responsabilidade quando a sua negligência mata. O mesmo Flamengo que faz da paixão do torcedor uma blindagem moral, e do seu poder político um escudo contra a vergonha. No fim, é também o maior exemplo de como dinheiro, prestígio e impunidade podem caminhar lado a lado sobre as cinzas de dez garotos.

Parece que o Brasil perdoa rápido quando o culpado veste manto rubro-negro. É o sistema, né?

A tragédia virou nota de rodapé, o luto virou estatística.

Esses meninos — inclusive o nosso, Athila de Sergipe — eram tratados como mercadoria de luxo e descartados como pano queimado. “Seres de pano”, sim: bonecos sem valor intrínseco, moldados para o espetáculo e esquecidos no backstage da glória.

A VERGONHA QUE NÃO QUEIMA — PERSISTE

O juiz disse que o Direito Penal não deve “converter complexidade sistêmica em culpa individual”. Que bela forma de dizer: “ninguém vai pagar”.

Mas alguém deveria. Porque a complexidade sistêmica é feita de decisões humanas.

Alguém escolheu ignorar o alvará. Alguém aprovou o contêiner. Alguém fingiu que o risco era baixo.

E agora, os “TERRAFLANISTAS” dormem tranquilos.

Enquanto isso, Sergipe e o Brasil choram em silêncio. E com razão.

Porque não é apenas o corpo de Athila que foi queimado — foi a confiança de um povo.

Quando um juiz assina uma sentença dessas, não está apenas absolvendo homens. Está absolvendo um país inteiro da sua covardia moral.

QUEM CHUTA A BOLA DO SILÊNCIO?

Athila não volta. Nenhum deles volta. Mas o que não pode morrer é a pergunta que ainda arde:

se dez garotos morreram num alojamento irregular, quem é o culpado?

A Justiça brasileira respondeu com o silêncio.

E o silêncio, neste caso, é o crime mais alto da sentença.

Enquanto houver juízes que confundem técnica com omissão, clubes que confundem lucro com vida, e torcedores que confundem paixão com cegueira, o Brasil continuará produzindo tragédias — e absolvendo culpados.

Athila Paixão, o menino sergipano que queria ser jogador, virou símbolo de um país que joga contra seus próprios filhos.

E a impunidade, essa velha camisa suada que o Brasil insiste em vestir, continua sem lavar, sem vergonha e sem fim.

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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