DEPOIS DE TONI GARRIDO E O SEU GIRASOL, SÓ FALTA REESCREVER OS EVANGELHOS

POR TIAGO HÉLCIAS

A obsessão de ajustar o passado à cartilha do presente chegou à música popular. Agora, até a pureza de um menino precisa passar por revisão ideológica.

Até onde vai a sanha de reescrever o mundo — e agora, até as canções? A nova moda parece ser mexer em versos consagrados para caber nas gavetas da lacração. Foi o que fez Toni Garrido, ex-vocalista da banda Cidade Negra, ao mudar o verso original de “Girassol” — um hino para toda uma geração — trocando “Já que pra ser homem tem que ter a grandeza de um menino” por “Já que pra ser homem tem que ter a grandeza de uma menina, de uma mulher”.

Sim, caro leitor. Agora, até ser menino é problema.

O MOMENTO DA “REVELAÇÃO”

A alteração foi anunciada em rede nacional, no programa Altas Horas, como uma “brincadeira amorosa”, uma homenagem à força feminina. Garrido justificou dizendo que o verso original soava “hétero, machista” e que só anos depois percebeu o “teor problemático”. O problema, no entanto, parece estar mais no excesso de filtros ideológicos do que na letra em si.

Porque convenhamos: desde quando menino virou sinônimo de opressão? Quando a pureza da infância passou a ser lida como machismo enrustido?

Enquanto alguns aplaudiram o gesto como sinal de sensibilidade — afinal, nada mais moderno do que reescrever o passado —, outros apontaram o óbvio: mexer na letra de uma música consagrada sem consultar o coautor é, no mínimo, desrespeito.

Por sua vez, Da Ghama, um dos criadores de “Girassol”, não ficou calado. Disse o que muita gente pensou: a letra nunca teve conotação machista e a mudança foi feita sem sua autorização.

LIBERDADE ARTÍSTICA OU VAIDADE DE PALCO?

A discussão escancara um paradoxo da era contemporânea. Todos defendem a liberdade artística — até que a arte contrarie suas próprias convicções. A Constituição garante o direito de criação, mas a liberdade de um artista termina onde começam os direitos do outro. E, no caso de “Girassol”, há coautoria, há história, há contexto.

O que Toni fez, portanto, não é apenas uma “reinterpretar” — é reescrever a obra alheia em nome de uma causa da moda.

É curioso como certos artistas parecem se preocupar menos com a coerência e mais com os aplausos fáceis do politicamente correto. A “grandeza” de que fala a letra original não tem nada a ver com gênero. É sobre pureza, inocência, essência — virtudes humanas, cada vez mais raras, não rótulos de identidade.

A TENTATIVA DE REESCREVER O MUNDO

O caso expõe um fenômeno crescente: a tentativa de readequar tudo o que foi dito, cantado ou escrito à luz da moral do momento. Uma espécie de censura disfarçada de evolução. Hoje se troca uma palavra, amanhã se apagam versos inteiros, e quando percebermos, já teremos reescrito até o passado.

E tudo, claro, com as melhores intenções — porque ninguém quer parecer “fora de sintonia” com a pauta do dia.

Mas o que sobra da arte quando ela precisa pedir desculpas por existir?

O que sobra da criação quando o artista teme o tribunal das redes sociais mais do que o próprio fracasso?

ARTE NÃO É ALGORITMO

A arte sempre foi provocação, desconforto, reflexão.

Não é algoritmo de aprovação.

Não é caixa de validação moral.

E quando artistas passam a ajustar o verso para “não ofender”, algo essencial se perde: a coragem de ser autêntico.

O verso “a grandeza de um menino” nunca foi sobre homens dominando mulheres — foi sobre homens reencontrando a pureza que o mundo rouba.

Trocar isso por um gesto “inclusivo” é reduzir a poesia à militância e transformar um clássico em panfleto.

O GIRASOL É SÓ UM RETRATO

A polêmica de “Girassol” é mais do que um capricho de cantor arrependido — é o retrato de uma época em que até a arte precisa se justificar para existir.

A liberdade artística virou um campo minado, onde a palavra errada custa um cancelamento e a metáfora precisa passar por revisão de gênero.

O problema não é mudar um verso. O problema é achar que a mudança é uma virtude em si.

Porque, no fim das contas, talvez o que o Brasil precise mesmo não seja de mais letras “corrigidas”, mas de mais gente com coragem de defender o que é simples: a pureza de um menino — ou, se preferirem, a grandeza de quem ainda sabe ser verdadeiro.

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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