PLURALIDADE DE FACHADA: O PREÇO DE PENSAR DIFERENTE NO BRASIL
POR TIAGO HÉLCIAS
A Condição para uma Verdadeira Democracia
“A mera existência de eleições não basta; é preciso garantir condições reais de cidadania, participação e justiça social.” — Marilena Chaui
O alerta de Chaui
Marilena Chaui sempre me lembrou de algo que muitos preferem esquecer: a democracia brasileira é uma promessa inacabada. Carregamos heranças pesadas — patriarcalismo, racismo, desigualdade, autoritarismo — que moldam nossas relações sociais e políticas. A filósofa insiste que eleições são apenas um ritual formal se não estiverem sustentadas por cidadania real e por condições que garantam a pluralidade.
Mas aí mora a contradição: se a democracia exige o convívio com a diferença, por que a diferença incomoda tanto? Por que o contraditório virou sinônimo de ameaça?
O preço de pensar em voz alta
Desde que voltei a escrever com mais frequência sobre política — seja nacional, internacional ou mesmo regional —, percebi que democracia, para muitos, é um conceito de conveniência. Enquanto você repete o que eles querem ouvir, é chamado de plural, progressista, aberto. Basta discordar, questionar, propor outra visão, e a máscara cai: você vira “bolsonarista”, “fascista”, “extremista de direita”.
Desde então, tenho colecionado “impropérios”, opiniões de quem não suporta o contraditório, com distribuição gratuita de ódio, agressões verbais por aqueles que pregam a tal “ordem e progresso”, desde que reze na mesma cartilha.
Confira algumas das pérolas
Viu aí né?! Não importa o argumento, não importa a trajetória — quase trinta anos de jornalismo pesam menos do que um único rótulo atirado na sua testa. É como se a democracia fosse aceita apenas quando ecoa o pensamento deles. O resto é descartado, desqualificado, expulso do debate.
A tradição autoritária em roupagem nova
E aqui volto a Chaui. Ela denuncia que o autoritarismo brasileiro não acabou com a ditadura; ele se infiltrou nas práticas sociais, nas instituições e, hoje, se reproduz nas redes sociais. O autoritarismo não está apenas no Estado forte e repressor, mas também no gesto cotidiano de silenciar o outro, de deslegitimar a fala divergente, de transformar quem pensa diferente em inimigo.
Essa tradição autoritária ganhou roupagem moderna: hashtags, cancelamentos, campanhas de difamação, linchamentos virtuais. O Brasil que se proclama democrático ainda age como colônia de mentalidade estreita, incapaz de suportar a pluralidade que diz defender.
O silêncio que não aceito
Eu poderia me calar. Seria mais fácil evitar desaforos, desafetos, ofensas gratuitas — inclusive de pessoas próximas. Mas esse silêncio seria cúmplice de uma democracia de fachada, sustentada por slogans e não por convicções. A minha função como jornalista nunca foi agradar plateia, mas provocar reflexão. E reflexão, por definição, incomoda.
Se a democracia não suporta o incômodo, então ela não é democracia — é teatro. É só o verniz do voto a cada quatro anos, enquanto seguimos cultivando ódios, intolerâncias e cancelamentos.
O chamado incômodo
A democracia que Marilena Chaui reivindica é exigente. Ela pede maturidade, coragem e a capacidade de conviver com o diferente sem transformá-lo em inimigo. Pede que saiamos da bolha confortável onde só ouvimos ecos de nós mesmos.
Eu sei que esse chamado incomoda. Sei porque incomodou a mim primeiro, quando percebi que criticar a polarização é comprar briga com os dois lados dela. Mas se não formos capazes de defender a democracia no seu sentido mais radical — o da convivência com a diferença —, restará apenas uma farsa autoritária vestida de “pluralidade”.
E eu me recuso a ser cúmplice dessa farsa.
Democracia não é para covardes
Chegou a hora de parar de usar a palavra democracia como slogan publicitário. Democracia não se mede por curtidas em rede social nem pela quantidade de xingamentos jogados contra quem pensa diferente. Democracia é construção diária, dolorosa, conflitiva.
Quem não suporta o contraditório não é democrata — é apenas mais um autoritário em busca de palco. Se o Brasil quiser, de fato, alcançar uma democracia plena, terá de aprender a escutar sem transformar divergência em guerra.
Portanto, deixo aqui um convite — ou melhor, uma provocação: da próxima vez que você se sentir tentado a desqualificar quem pensa diferente, pergunte a si mesmo se está defendendo a democracia ou apenas o seu reflexo no espelho. A resposta, garanto, pode ser mais incômoda do que qualquer texto meu.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
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