BRASIL: A NAÇÃO DOS 94 MILHÕES DE DEPENDENTES – QUANDO A ASSISTÊNCIA VIRA ESTRUTURA POLÍTICA

POR TIAGO HÉLCIAS

A recente notícia de que o Brasil atingiu a marca de 94 milhões de pessoas dependentes de programas sociais não ficou restrita às manchetes nacionais; ela atravessou o Atlântico e reverberou também aqui na Europa, especialmente em Portugal. Foi impossível não parar para refletir: quase metade da população brasileira depende, de alguma forma, da assistência estatal para sobreviver. Vendo isso de fora, a dimensão do número ganha ainda mais peso. Se por um lado projeta uma imagem de um país que construiu uma das maiores redes de proteção social do mundo, por outro expõe a fragilidade estrutural de uma economia que, apesar de avanços no mercado de trabalho, não consegue libertar sua população da dependência. É a partir desse choque entre a manchete e a realidade que começamos a mergulhar nas contradições desse Brasil que se vangloria do crescimento, mas carrega nas costas a sombra pesada da vulnerabilidade.

Porque sejamos francos: se um país se gaba de crescimento do emprego formal, mas ainda assim mantém 44% de sua população na dependência de programas assistenciais, tem algo de podre no reino de Brasília.

DO BOLSA ESCOLA AO BOLSA VIDA ETERNA

O Brasil construiu, tijolinho por tijolinho, uma máquina de assistência. Lá atrás, eram projetos tímidos: Bolsa Escola, Renda Mínima, iniciativas locais. Veio 2003, unificação, e nasceu o Bolsa Família, alçado ao estrelato internacional como exemplo de transferência de renda. Sim, o programa tirou milhões da miséria, mas também criou o que chamam de “muleta institucionalizada”: gente que sobrevive, mas não caminha sozinha.

Na pandemia, veio o Auxílio Emergencial para 67 milhões de pessoas – mais gente que toda a Itália. O que era “rede de proteção” virou colchão inflável para sustentar o país inteiro em queda livre. Mudaram os nomes – Auxílio Brasil, de volta Bolsa Família –, mas o enredo segue: Estado como babá de adultos que o mercado de trabalho não tem como acolher.

O PARADOXO DO TRABALHO FORMAL QUE NÃO TIRA DA POBREZA

De janeiro a julho de 2025, o Brasil criou 1,49 milhão de empregos formais. Maravilha! Só que 77% das vagas foram ocupadas por quem já está no CadÚnico. Ótimo? Nem tanto. Significa que o emprego formal virou complemento do Bolsa, e não substituto.

Os números da FGV são claros: o peso da renda do trabalho caiu, enquanto o dos benefícios sociais subiu. Tradução: mesmo com carteira assinada, o trabalhador brasileiro precisa da teta estatal para pagar o arroz e o gás. É inclusão de papel timbrado, mas de geladeira vazia.

No Nordeste, o drama é ainda mais explícito. Os benefícios sociais já somam quase 10% da renda das famílias. Entre os extremamente pobres, chegam a 80%. E aí o discurso oficial é: “Estamos gerando empregos!”. Sim, mas de salário tão baixo que o cara continua pobre com crachá no bolso.

SERGIPE: O PEQUENO QUE DEPENDE MUITO

Sergipe, o nosso menor estado em território, lidera no quesito “dependência compacta”. Em agosto de 2025, mais de 360 mil famílias estavam no Bolsa Família – um contingente equivalente à metade da população de Aracaju inteira. Só a capital concentra quase 56 mil famílias.

E não para aí: são mais de 60 mil famílias no Auxílio Gás, 135 mil crianças no Benefício Primeira Infância, sem falar nas gestantes e nutrizes cadastradas. Em outras palavras: o sergipano nasce no CadÚnico, cresce no CadÚnico e, se bobear, se aposenta no CadÚnico.

Claro, o estado exibe avanços: qualificação profissional, programas de “Primeiro Emprego”, bons índices educacionais. Mas, na prática, a engrenagem da sobrevivência continua movida pelo pix mensal de Brasília. É o paradoxo do estado competitivo que ainda precisa da mesada federal para não deixar sua gente passar fome.

ALAGOAS: A MÁQUINA DE BENEFÍCIOS EM PLENA ATIVIDADE

Se Sergipe é dependente, Alagoas é especialista na dependência. Em agosto de 2025, o Bolsa Família atendeu 504 mil famílias – praticamente metade do estado inteiro. Só Maceió concentra quase 99 mil famílias. Some aí 131 mil Auxílios Gás e 226 mil crianças no Primeira Infância.

Os números até brilham em relatórios oficiais: queda na desigualdade, avanço em índices de inovação, melhora no Saeb, programas de qualificação como o “É a Minha Vez”. Mas quando a conta chega, a verdade aparece: Alagoas ainda funciona como uma imensa empresa terceirizada do Governo Federal. O dinheiro que circula no comércio, na feira, no boteco da esquina? Muitas vezes é o repasse do Bolsa.

Veja tabela comparativa entre os dois estados:


O BURACO É MAIS EMBAIXO: DESIGUALDADE E CAPITAL HUMANO

A raiz disso tudo não está apenas na “boa vontade” de governos em transferir renda. Está na desigualdade estrutural. No Nordeste, a média de escolaridade mal passa dos 9 anos de estudo – dois a menos que no Sudeste. A informalidade domina, e o desalento é a regra: 96% dos extremamente pobres trabalham sem carteira.

“É gente que nem sequer tem como disputar uma vaga digna no mercado formal. O resultado? Uma massa de cidadãos cuja sobrevivência está amarrada a políticas que deveriam ser pontes, mas viraram muletas permanentes.”

O JOGO POLÍTICO DA DEPENDÊNCIA

E aqui chegamos ao pulo do gato: será que algum governo, seja o atual ou os que vieram antes, tem mesmo interesse em reduzir de verdade essa dependência? Ou é mais conveniente manter milhões de brasileiros na palma da mão, cativos de programas que garantem sobrevivência, mas não liberdade? A verdade incômoda é que a pobreza virou moeda política. Programas sociais são fundamentais para não deixar gente morrer de fome, mas também se transformaram em cabos eleitorais invisíveis, pagos religiosamente mês a mês com o dinheiro do contribuinte.

Basta reparar: em época de campanha, cada real a mais no benefício é tratado como ato messiânico. Quem recebe, agradece; quem paga, se revolta; e quem governa, contabiliza em votos. O PT é mestre nisso, não por acaso, a lógica é manter a população dependente, e não autônoma. Afinal, cidadão livre e economicamente independente é imprevisível nas urnas; já o dependente, não – esse vota com medo de perder a esmola oficial.

Em bom português: não é só falta de capacidade do Estado em criar oportunidades, é estratégia política para manter o rebanho no curral eleitoral.

TRAMPOLIM OU COLCHÃO?

Afinal, estamos construindo um país em que a assistência é trampolim para autonomia, ou um colchão que impede qualquer salto?

Porque os 94 milhões de dependentes sociais não são apenas estatística – são prova de que o Brasil ainda não inventou um caminho real para libertar sua população da pobreza.

“Sergipe e Alagoas são laboratórios vivos desse paradoxo: estados que até avançam em indicadores, mas cuja economia real respira por aparelhos ligados a Brasília.”

Enquanto isso, seguimos celebrando empregos formais que não tiram ninguém da pobreza, como quem comemora dieta à base de refrigerante zero. O problema não é ter programas sociais – é depender deles como estrutura permanente. E nisso, convenhamos, o Brasil virou craque.

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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