BLINDADOS EM BRASÍLIA: COMO SERGIPE E ALAGOAS AJUDARAM A ERGUER O ESCUDO CONTRA O STJ

POR TIAGO HÉLCIAS

Ontem, 17/09, em Brasília, a Câmara dos Deputados aprovou a polêmica PEC da Blindagem – ou, para os mais sinceros, a PEC da Autoproteção. Oficialmente, trata-se de uma Proposta de Emenda Constitucional que dá mais “garantias” a deputados, senadores e até presidentes de partidos. Na prática, é o Congresso costurando um colete à prova de Justiça para seus integrantes.

A propaganda é bonita: proteger o mandato contra abusos do Judiciário. O efeito real? Criar um escudo contra investigações, processos e até prisões.

Uma blindagem de luxo que, curiosamente, chega num momento em que diversos parlamentares enfrentam problemas na Justiça. Coincidência, claro.

O que muda na vida deles (e na nossa)

  1. Prisão só com benção dos colegas
  2. Se um deputado ou senador for pego em flagrante cometendo um crime inafiançável, a prisão ainda precisa passar pelo crivo da Câmara ou do Senado. E detalhe: o voto será secreto. Em bom português: quem decide se o político fica preso ou não são os amigos dele, e ninguém vai saber quem votou para soltar. Transparência zero.
  3. STF como porteiro exclusivo
  4. Juízes de primeira ou segunda instância? Esquece. Agora, só o Supremo Tribunal Federal pode determinar medidas cautelares contra parlamentares. Centraliza-se tudo lá em cima – e o caminho até chegar ao STF costuma ser longo, caríssimo e cheio de atalhos processuais.
  5. Processo só com aval político
  6. Antes de processar um parlamentar, o STF precisa pedir autorização ao Congresso. Os deputados e senadores terão até 90 dias para decidir. Pela experiência, é como pedir para o carteiro autorizar a multa de trânsito do próprio carteiro.
  7. Foro privilegiado para presidentes de partidos
  8. Não bastasse blindar os parlamentares, a PEC ainda estende o tapete vermelho para presidentes de partidos. Ou seja: se o dirigente estiver enrolado, vai direto para o STF, junto com os deputados. Mais uma camada de proteção para quem manda na política.

Quem ganha, quem perde

  1. Ganham: os parlamentares, que passam a dormir mais tranquilos sabendo que, antes de qualquer prisão ou processo, terão a “solidariedade corporativa” dos colegas.
  2. Perde: a sociedade, que fica com um Congresso ainda mais inacessível à fiscalização, e uma democracia com menos transparência.
  3. Ganha também: o discurso pronto do Centrão, que agora pode bater no peito e dizer que está “defendendo a independência dos poderes”.
  4. Perde feio: o eleitor, que assiste a tudo de camarote, pagando a conta e sem direito a saber como cada deputado votou quando o assunto for soltar ou proteger um colega.

Bastidores: o jogo jogado

Nos corredores de Brasília, a aprovação foi tratada como “questão de sobrevivência”. Parlamentares da base e da oposição, muitos com passagens pela Polícia Federal e processos nas costas, viram na PEC a chance de se blindar para o futuro. Não é ideologia, é autopreservação.

O voto secreto foi a cereja do bolo. Ele permite que deputados e senadores salvem os colegas sem serem cobrados pelo eleitor. É a velha máxima: “Entre nós e eles, ficamos com nós”.

Não dá para ignorar também o argumento central usado pelos defensores da PEC: os “excessos” do Supremo Tribunal Federal. No Brasil, a narrativa da chamada “ditadura da toga” ganhou força, servindo de combustível para justificar esse escudo parlamentar. A lógica é simples: se o STF passa por cima, o Congresso se protege por baixo. Só que essa justificativa abre um precedente perigoso: em vez de corrigir distorções do Judiciário, cria-se uma blindagem para os políticos. Se olharmos para Portugal, por exemplo, não se vê esse tipo de engenharia jurídica para blindar deputados — muito pelo contrário. Aqui, até primeiros-ministros já enfrentaram investigações e renunciaram sob pressão popular. No velho continente, a queda de um político processado é quase automática; no Brasil, vira motivo para desenhar PECs que transformam crime em privilégio e Justiça em ornamento.

Sergipe: quem vestiu o colete

Dos oito deputados federais sergipanos, três abraçaram a PEC com entusiasmo:

  1. A favor: Rodrigo Valadares (União Brasil), Thiago de Joaldo (PP) e Gustinho Ribeiro (Republicanos).
  2. Contra: Fábio Reis (PSD), João Daniel (PT) e Delegada Katarina (PSD).
  3. Ausentes): Ícaro de Valmir (PL) e Yandra Moura (União Brasil).

Ou seja: metade tentou bancar a resistência, metade aderiu ou se esquivou.

Alagoas: o laboratório da blindagem

Em Alagoas, o retrato foi ainda mais explícito:

  1. Primeiro turno: Arthur Lira (PP) – que preside a Câmara – puxou a fila a favor, acompanhado por Marx Beltrão (PP), Isnaldo Bulhões Jr. (MDB), Luciano Amaral (PSD), Delegado Fábio Costa (PP) e Rafael Brito (MDB). Paulão (PT) e Daniel Barbosa (PP) votaram contra. Alfredo Gaspar (União) nem apareceu.
  2. Segundo turno: Lira manteve a liderança pró-PEC, junto com Isnaldo, Fábio Costa, Amaral e Beltrão. Paulão e Daniel Barbosa resistiram. Rafael Brito e Alfredo Gaspar se ausentaram.

Curiosamente, alguns mudaram de posição entre os turnos. Pressão política? Troca de favores? “Reavaliação técnica”? Cada um chama como quiser.

E agora? O que vem pela frente

A PEC da Blindagem, tendo sido aprovada nos dois turnos da Câmara, agora segue para o Senado Federal. Lá, será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por Otto Alencar, que já se declarou contra a proposta. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, garantiu que seguirá o rito normal, sem atropelos, mas o placar é incerto. Para avançar, a PEC precisa do apoio de pelo menos 49 dos 81 senadores no plenário.

Os cenários possíveis variam: se passar como está, a blindagem parlamentar será ampliada e consolidada; se sofrer ajustes, pontos críticos como o voto secreto e a ampliação do foro podem cair. Há ainda o peso da opinião pública — que já demonstra rejeição à medida — e a possibilidade de contestação futura no próprio STF, ironicamente a corte que os parlamentares dizem temer.

O saldo

A PEC da Blindagem é o retrato perfeito de Brasília: quando o risco bate na porta, a prioridade é proteger a si mesmo, não o eleitor. No discurso, falam em independência dos poderes. Na prática, ergueram um muro de concreto entre o Congresso e a Justiça.

A pergunta que fica é: quem vai blindar cidadão comum, eu e você, contra esse tipo de manobra?

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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