SERGIPE SOB SUSPEITA?ENGENHEIRA AMBIENTAL AFIRMA QUE LICENCIAMENTOS NO PAÍS DEPENDEM DO “JEITINHO BRASILEIRO”

POR TIAGO HÉLCIAS

Recebi recentemente — quase dois meses depois de sua veiculação — um áudio longo, detalhado, de uma entrevista concedida pela engenheira ambiental Dra. Gabriela Almeida ao podcast da Jovem Pan Aracaju, conduzido pelo meu estimado amigo jornalista Paulo Souza.

O episódio foi ao ar no dia 6 de junho de 2025, em celebração à Semana do Meio Ambiente. Durante quase 40 minutos, falou-se de tudo: legislação ambiental, fiscalização, consciência coletiva, responsabilidade empresarial. Um papo técnico, necessário, quase protocolar. Mas então, após uma pergunta de um ouvinte, a partir dos 20 minutos — é que a coisa muda de figura —, uma resposta me chamou a atenção. Uma resposta que, ao que tudo indica, passou despercebida por muita gente. Mas não deveria.

O ouvinte perguntou, de forma direta:

“Doutora, para conseguir licença ambiental no Brasil ainda precisa dar jeitinho?”

A resposta da entrevistada foi imediata, textual, quase irônica:

“Não tem jeitinho. Tem é jeitão.”

A partir daí, a engenheira descreveu um cenário que, embora generalizado, atinge em cheio todos os estados brasileiros.

Até aqui, poderíamos pensar: nada de novo sob o sol tropical. Só que, na sequência, o Paulo Souza quis afinar o foco:

“E em Sergipe, também acontece?”

A engenheira, sem titubear, emendou:

“No Brasil inteiro.”

Tradução simultânea para quem acompanha a política e a gestão pública: se é “no Brasil inteiro” e Sergipe está no Brasil… bom, o que ficou subentendido dispensa maiores cálculos.

E é aí que a pulga começa a coçar atrás da orelha. Sergipe, claro, tem seu próprio órgão de controle e fiscalização ambiental, a ADEMA (Administração Estadual do Meio Ambiente).

A partir do que foi dito, e mesmo sem citar nomes ou processos específicos, a pergunta que ecoa é inevitável: será que a ADEMA também está dentro desse “balaio” do jeitinho — ou do tal “jeitão” — onde as coisas só funcionam de um certo modo?

Esse trecho passou batido na hora, ficou no ar. Solto. Como um comentário inocente que, de tão simples, pode acabar se revelando explosivo.

O discurso do “progresso sustentável” parece cada vez mais uma farsa retórica. A Dra. Gabriela rompeu ainda mais o pacto do silêncio institucional e falou o que poucos têm coragem de verbalizar:

“Licença ainda é uma moeda de troca. Isso é um crime. A troca é: ou você se familiariza politicamente com alguém, ou você serve de base de propina para a coisa fluir, ou você oferece vantagens.”

A denúncia é direta, brutal, e pior: verossímil.

Ela afirma que a cultura da corrupção é endêmica em órgãos ambientais de Norte a Sul. E embora não cite diretamente a ADEMA ou o estado de Sergipe, é aqui que Gabriela atua. E é aqui que ela tem processos em andamento e outros aprovados.

Ninguém está pensando em meio ambiente

“Não estão pensando em meio ambiente. Estão pensando no que vão fazer com aquele documento ali pra agradar quem tem que agradar. E tem conflitos de interesse que travam projetos absurdamente corretos, só porque alguém ‘não gosta da sua cara’ ou você ‘não é da base política’.”

“Trabalhei contra esse sistema e fui levada de cacetada. Me chamavam de Gabriela libera licença. E ninguém viu que passei dois anos brigando por um processo. Quando saiu, foi assim: ‘Oh, glória!’. Nem que fosse verdade…”

Ela ainda cita que órgãos de controle social, tribunais e instâncias fiscalizadoras “também são politizados e manipulados”, atuando mais como peças do jogo político do que como garantidores da legalidade:

“O Brasil é um país que ainda tem donos. Coronéis. Por mais que tenha gente sensata em certas cadeiras, ou elas saem, ou são obrigadas a fazer o que o santo mandou.”

Mas essa não foi a primeira vez…

Em 2024, a mesma Dra. Gabriela Almeida concedeu entrevista aos jornalistas Priscila Andrade e ao saudoso amigo, André Barros (na época, na Transamérica FM, em Aracaju).

Ali, o alvo não foi apenas o suposto “jeitão” do licenciamento, mas a própria capacidade técnica do órgão.

Naquela altura, Jeorge Trindade era o Presidente da ADEMA e recebeu, sem constrangimento algum, duras críticas. Segundo ela, pela a sua falta de capacidade técnica. Algo que se estenderia para seus auxiliares.

Afirmou categoricamente que o órgão sofria de déficit de treinamento técnico, medo excessivo do Ministério Público e indicações políticas em cargos estratégicos — o que, segundo ela, trava processos e prejudica o desenvolvimento sustentável no estado. O que já não acontece nos estados vizinhos.

“Colocam pessoas em áreas que não conhecem. No meio ambiente, isso é para travar mesmo. Falta entendimento da legislação. Às vezes, negar é mais fácil para ficar imune, do que tentar discutir possibilidades de desenvolvimento.”

Ela também afirmou que a saída de profissionais qualificados deixou o órgão com pouca expertise para análise técnica.

Afinal, quem é Dra. Gabriela?

E aqui entra um dado importante: a Dra. Gabriela Almeida não é uma novata na área. Engenheira ambiental, mestre e doutora em Biotecnologia Industrial e atualmente pós-doutoranda em Direito Ambiental, ela lidera o Grupo GA Ambiental, responsável por mais de 5.600 licenças ambientais emitidas em todo o Brasil — incluindo um volume expressivo em Sergipe, em empreendimentos de diferentes portes. Sua carteira de clientes vai de pequenos negócios a projetos de grande impacto. Ou seja: quem fala não é um curioso de plantão, mas alguém com vivência técnica, trânsito nos bastidores e profundo conhecimento dos processos.

Em busca da verdade

Como manda o manual do bom jornalismo, este blog foi ouvir a principal personagem das declarações que trouxemos à tona, respondeu aos nossos questionamentos enviados por e-mail. E suas respostas vieram em três blocos que merecem atenção.

1. O “jeitinho brasileiro” segundo Gabriela

Sobre a polêmica fala em entrevista à Jovem Pan Aracaju, quando afirmou que o licenciamento ambiental no Brasil funciona na base do “jeitão” e não do “jeitinho”, a engenheira tratou de minimizar o impacto de sua própria declaração. Segundo ela, não houve denúncia, mas apenas uma constatação cultural.

Abre aspas:

“A menção à expressão ‘jeitinho brasileiro’ constitui mera constatação de um traço cultural amplamente reconhecido e objeto de estudo acadêmico há décadas. A fala na entrevista limitou-se a reconhecer, em termos coloquiais, o que a historiografia e a sociologia brasileiras já descrevem com rigor acadêmico há quase um século. Qualquer interpretação diversa disso decorre, talvez, de um desconhecimento das lições mais elementares sobre a formação social do Brasil”.

Para reforçar seu ponto, Gabriela evocou Sérgio Buarque de Holanda e seu clássico Raízes do Brasil (1936), obra que cunhou a figura do “homem cordial” como explicação das relações sociais e institucionais brasileiras. Até aí, nada novo sob o sol.

2. Sobre a ADEMA e a falta de técnicos

Também perguntamos sobre a outra entrevista em que a engenheira questionou a qualificação técnica dentro da ADEMA. Na resposta, Gabriela disse:

“É sabido que, por sua natureza ambiental, a ADEMA deve contar com atuação estritamente técnica, desempenhada por profissionais da área, com conhecimento específico dos procedimentos técnicos. (…) Eventuais questionamentos às análises técnicas decorrem da situação mencionada: profissionais habilitados e com formação específica elaboram suas conclusões, mas podem ter seu trabalho contestado por superiores hierárquicos que não possuem qualificação”.

Ela ponderou, no entanto, que Sergipe seria hoje um modelo em licenciamento ambiental, lembrando a entrada recente de técnicos concursados no órgão, que, segundo ela, irão “contribuir significativamente para a melhoria do ambiente institucional e da qualidade das análises nos processos administrativos”.

3. A cutucada literária

Mas a resposta não parou por aí. Ao citar Sérgio Buarque de Holanda, a engenheira em tom irônico, disse que o autor seria leitura “basilar” para qualquer profissional da informação, e deixou no ar uma provocação direta a este jornalista — como se faltasse leitura para compreender a noção de “jeitinho brasileiro”.

A bem da verdade, leitura não me falta. Além de Sérgio Buarque, conheço também as análises de Roberto DaMatta, que em Carnavais, Malandros e Heróis traduziu o jeitinho como a mediação entre a lei e a pessoa, onde a norma rígida se curva diante do interesse imediato.

E digo mais, se quisermos ir além, o antropólogo Keith Hart lembra que tais expressões não são apenas “traços culturais”, mas estratégias de sobrevivência em sociedades com baixa confiança nas instituições.

Portanto, não se trata de ignorância literária, mas de exercício jornalístico: trazer conceitos para a realidade e perguntar quem se beneficia quando o jeitinho deixa de ser metáfora acadêmica e se transforma em prática administrativa.

Os questionamentos que ficam

E é aqui que voltamos ao ponto central: se o “jeitinho brasileiro” é só um traço cultural, por que tantos empreendedores e especialistas na área relatam travas seletivas, morosidade e até necessidade de “atalhos” em processos de licenciamento?

Se Sergipe é um “modelo” de licenciamento ambiental, como garante a engenheira, quem explica as sucessivas críticas à ADEMA vindas de dentro e de fora?

E mais grave: quem garante, depois dessas declarações públicas, que o órgão está blindado contra o famoso “jeitinho”?

O papel do jornalismo

Por fim, cabe reafirmar algo simples, mas que parece ter escapado à engenheira: o papel do jornalista não é acusar, nem julgar, mas enxergar além da superfície. Há quase três décadas faço isso — olhar para as entrelinhas, cutucar onde muitos preferem o silêncio, abrir debates que o poder gostaria de manter fechados.

Se o “jeitinho brasileiro” fosse apenas literatura, talvez não estivéssemos discutindo sua presença dentro de órgãos públicos ou no cotidiano das pessoas, das cidades, nas pequenas ou grandes situações do dia a dia.

Não é burrice enxergar isso; burrice seria calar. O jornalismo que pratico não é de conveniência: é de provocar, questionar e entregar ao público o que lhe cabe de direito — informação sem maquiagem.

Talvez — parafraseando Millôr Fernandes — “jornalismo é oposição; o resto é assessoria de imprensa”. E aqui, como sempre, ficamos com a primeira opção.

Diante dos fatos, ficam a perguntas que não querem calar:

  1. A ADEMA vai se pronunciar?
  2. O Governo do Estado vai investigar?
  3. Os Ministérios Públicos Estadual e Federal vão fingir que não ouviram?
  4. A OAB vai questionar?
  5. Alguma sindicância será aberta?
  6. E os processos da própria Dra. Gabriela em Sergipe — serão auditados?

Porque se a denúncia for falsa, alguém precisa desmenti-la.

Mas se for verdadeira, a coisa é ainda mais grave do que se imagina.

E a sociedade sergipana, ao contrário do que estão tentando fazer, não pode mais fingir que não escutou. E você o que pensa sobre o tal “jeitinho brasileiro”?

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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