NA PRATELEIRA DAS PESQUISAS, O CLIENTE SEMPRE TEM RAZÃO
POR TIAGO HÉLCIAS
Ao longo dos meus 30 anos de jornalismo, o que pouca gente sabe é que também atuei nos bastidores do marketing político — já trabalhei em campanhas de Norte a Sul do Brasil. E, por experiência própria, sei o quanto uma pesquisa pode pesar numa disputa. Tem pesquisa para todos os gostos e para todos os tipos: vai de acordo com o interesse do candidato A ou do candidato B.
Existe até uma história famosa entre marqueteiros de que um cidadão foi contratado para fazer uma pesquisa sobre Jesus, e perguntou logo de cara: “Quer que apareça contra ou a favor?”.
O que quero dizer é que pesquisa segue a conveniência de quem encomenda. E, por isso, é preciso estar atento às entrelinhas. Já vi pesquisa derrubar favorito e fabricar azarão da noite para o dia. Então, quando alguém me joga números na mesa, minha primeira reação não é bater palma — é levantar a sobrancelha. Aliás, esse tema não é a primeira vez que abordamos aqui no blog. E agora temos mais um exemplo fresco: a nova pesquisa do Instituto França para o Senado em Sergipe.
O palco sergipano e a peça do Instituto França
Cena um: Sergipe, agosto de 2025. As eleições de 2026 para o Senado já ensaiam seus primeiros atos e o Instituto França de Pesquisas (IFP) entra em cena com seu espetáculo mais recente.
Foram ouvidos 1.215 eleitores de Aracaju entre os dias 7 e 8 de agosto, com margem de erro de 2,8 pontos percentuais e nível de confiança de 95%. O resultado:
- Edvaldo Nogueira – 22,22%
- Delegado Alessandro – 16,76%
- Rodrigo Valadares – 8,56%
- Rogério Carvalho – 7,65%
- Adailton de Valmir – 5,65%
- Eduardo Amorim – 4,55%
- André Moura – 4,37%
- Márcio Macedo – 3,83%
- Luizão DonaTrampi – 2,73%
- Nulos/Brancos – 14,03%
- Não responderam – 9,65%
Edvaldo Nogueira e Delegado Alessandro surgem como astros do momento. Mas, como toda boa peça, o mais interessante está nos bastidores — e é para lá que vamos, com senso crítico e um pouco de malícia jornalística.
O labirinto burocrático e as pesquisas “gêmeas”
Ao tentar confirmar detalhes no TSE, a pesquisa aparece devidamente registrada — nada de sumiço misterioso desta vez. O curioso é que, nos mesmos dias, o Instituto França também realizou outra pesquisa, para o governo de Sergipe, com a mesma amostra e metodologia.
O detalhe é que a repercussão e o tratamento na imprensa são diferentes: a do governo teve manchetes, análises e destaque; a do Senado, bem… não ganhou o mesmo holofote. Em política, esse tipo de escolha editorial nunca é por acaso.
É como se, para um tema, o instituto tivesse usado lente profissional; para o outro, uma selfie borrada. E aí entra a velha pergunta: quem ganha e quem perde com isso?
Amostra, margem e contexto — a trinca que conta a história
Vale reforçar: 1.215 eleitores em Aracaju podem representar tendências, mas não traduzem com perfeição um estado inteiro. Sergipe pode ser pequeno, mas não é só a capital. Um recorte exclusivo de Aracaju, por mais bem-feito que seja, sempre vai carregar um viés.
A margem de erro de 2,8 pontos percentuais é tecnicamente boa — mas, em cenários embolados, pode transformar vantagem em empate técnico num piscar de olhos. O que, aliás, é perfeito para alimentar narrativas ao gosto do freguês.
O jogo das comparações: quando os números brigam entre si
Colocar essa pesquisa lado a lado com outros levantamentos é quase um esporte.
Na Dataform/ECM (julho/2025), por exemplo, Edvaldo tinha 11,67%, e no Instituto França pulou para 22,22%. Ou ele fez campanha digna de maratona nos últimos dias, ou temos metodologias que conversam tão bem quanto gato e cachorro.
Delegado Alessandro também flutua nos números, enquanto Rodrigo Valadares parece andar numa gangorra estatística. E esse sobe-e-desce, mais do que instabilidade eleitoral, revela como a régua muda de pesquisa para pesquisa.
confira AQUI a pesquisa completa do DataForm.
Conclusão: instantâneo, não profecia
Pesquisas são fotos — e como toda foto, podem ser bem enquadradas ou tiradas com a câmera tremendo. O problema é quando são tratadas como oráculo.
No caso do Instituto França, os números até podem servir para medir temperatura, mas não para prever o clima até 2026.
O recado final é simples: desconfie dos números, principalmente dos que parecem óbvios. Porque, na política, até o óbvio é negociável.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
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