ALAGOAS: DA BRASKEM EM MACEIÓ AO GÁS SUBTERRÂNEO EM PILAR - PRÓXIMA CATÁSTROFE ANUNCIADA?

POR TIAGO HÉLCIAS

A Origem Energia e o poder público tecem uma teia de riscos em Pilar, enquanto a população, já marcada pela tragédia, clama por respostas. É hora de questionar: a quem serve esse progresso?

Como jornalista, tive a oportunidade de estar à frente do Balanço Geral Alagoas e testemunhar, quase que diariamente, os problemas enfrentados pelo afundamento do solo nos bairros de Maceió. Estive pessoalmente nesses bairros, senti a dor das pessoas e conheço bem o drama dessas histórias. A Braskem, com a conivência do poder público de décadas e de quem estava no poder, acabou com a vida e a história de muitas pessoas.

Agora, Alagoas, um estado que ainda se recuperou dessas feridas abertas, enfrenta um novo e controverso capítulo em sua história subterrânea. A proposta de estocar gás natural no subsolo de Pilar, a apenas 35 km de Maceió, levanta sérias questões e acende um alerta: estamos diante de uma nova e iminente 'bomba relógio' ambiental e social?

O Projeto da Origem Energia: Promessa de Progresso ou Risco Incalculável?

A empresa Origem Energia, já dominante no setor de gás e petróleo terrestre em Alagoas, planeja implementar o primeiro sistema de estocagem subterrânea de gás natural (ESGN) do Brasil. A ideia é aproveitar a infraestrutura de poços exauridos da Petrobras para armazenar até 500 milhões de m³ de gás por ano – um volume assustadoramente próximo ao consumo mensal de gás de cozinha de todo o Brasil. As autoridades locais e estaduais, em um discurso que beira o cinismo, vendem a ideia como um avanço para Pilar, uma cidade que, ironicamente, sonha até hoje com teleféricos e estátuas gigantes de Jesus Cristo enquanto lida com problemas básicos de saneamento. Será que a promessa de progresso justifica a aposta em um futuro incerto e potencialmente catastrófico?

Especialistas e Comunidade em Alerta: O Que os Estudos Ignoram?

O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) concedeu uma licença prévia, alegando que o projeto atende a todas as exigências. Mas a quem servem essas exigências? Um artigo do The Intercept Brasil, em colaboração com a Agência Tatu, escancara uma realidade bem diferente. Especialistas e a própria comunidade de Pilar questionam veementemente a minimização dos riscos nos estudos ambientais. Vazamentos, explosões, contaminação de lagoas e doenças para moradores e trabalhadores não são meras preocupações; são ameaças reais e palpáveis que pairam sobre a vida de milhares de pessoas.

Na publicação, Luís Augusto Peixoto, líder comunitário, não hesita em classificar a situação:

"É uma bomba relógio".

Josué Félix da Silva, presidente da colônia de pescadores, ecoa também o temor com uma pergunta que deveria assombrar as autoridades:

"E se acontecer algum problema como aconteceu na Lagoa Mundaú por causa da Braskem?"

A gritante falta de consulta e diálogo com a população local é um ultraje, com pescadores alegando total desconhecimento sobre os impactos devastadores que o projeto pode ter em suas vidas e no ecossistema da Lagoa Manguaba. A voz do povo, mais uma vez, é silenciada em nome de interesses econômicos.

A ANP e a Lacuna Regulatória: Um Vácuo Perigoso e Inaceitável?

Um dos pontos mais críticos levantados por especialistas como Ildo Sauer, professor da USP e ex-diretor da Petrobras, é a chocante ausência de normas técnicas específicas para a estocagem de gás no subsolo brasileiro. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) reconhece essa lacuna, afirmando que, embora a Lei do Gás (Lei nº 14.134/2021) e o Decreto nº 10.712/2021 regulamentem a atividade, não há uma resolução específica para a estocagem subterrânea de gás natural.

A ANP se baseia em normas que tratam da exploração e produção de petróleo e gás, e na Resolução ANP nº 17/2015, que trata de planos de desenvolvimento. É concebível que um projeto dessa magnitude, com riscos tão evidentes, avance sem uma regulamentação robusta e específica? A irresponsabilidade regulatória é um convite aberto a novas tragédias.

Lições Não Aprendidas: O Fantasma da Braskem Assombra Alagoas

A comparação com o caso Braskem não é apenas inevitável; é um lembrete doloroso e aterrorizante de um passado recente. A extração de sal-gema em Maceió resultou no afundamento de cinco bairros e desalojou 60 mil pessoas, deixando um rastro de destruição e desespero.

A memória desse desastre ainda está fresca, e a população de Pilar teme, com razão, que a história se repita. A negligência na comunicação com a comunidade e a aparente subestimação dos riscos ambientais não são meros erros; são ecos perturbadores de um padrão de descaso que já custou caro a Alagoas.

Até quando a vida e o bem-estar da população serão sacrificados em nome do lucro?

O Que Vem Por Aí? A Luta Continua

O projeto da Origem Energia ainda aguarda o aval final da ANP. Enquanto isso, a sociedade civil, especialistas e a comunidade local permanecem vigilantes, exigindo transparência, estudos de impacto ambiental verdadeiramente aprofundados e, acima de tudo, respeito inegociável às vidas e ao meio ambiente.

Alagoas não pode, e não deve, se dar ao luxo de mais uma "bomba relógio". A luta por um futuro seguro e justo para o povo alagoano está apenas começando e o que depender de mim, darei voz a quem precisar diante de mais uma, suposta, tragédia anunciada.

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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