ÁGUA PARA CAVALOS, SEDE PARA O POVO: O CASO DO HARAS DA SECRETÁRIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE SERGIPE
POR TIAGO HÉLCIAS
Em Sergipe, a água corre para poucos — literalmente. Segundo reportagens do Mangue Jornalismo e da CartaCapital, a Secretária de Assistência Social de Sergipe, utilizou uma empresa de seguros ligada à filha para obter outorga de captação de água destinada ao Haras Esperanza, propriedade da família em Itaporanga D’Ajuda. Nada de ilegal comprovado até agora, mas convenhamos: soa tão natural quanto usar um guarda-chuva para pescar.
Mais do que uma anedota burocrática, o caso escancara o eterno dilema brasileiro: a água é um bem de todos ou um privilégio de quem tem sobrenome influente?
Uma Empresa de Seguros com Sede Rural
De acordo com documentos citados pelas reportagens, a outorga de uso de água foi concedida não ao haras, mas à M Cavalcante & Seguros — empresa da filha da Secretária. O detalhe é que, segundo registros da Receita Federal, a atividade da empresa não tem absolutamente nada a ver com o mundo rural. Não cria cavalos, não planta pasto, não engarrafa água mineral. Mas, como em Sergipe criatividade não falta, parece que inauguraram uma nova modalidade de apólice: seguro contra seca, com direito a irrigação própria.
A Cronologia que Não Fecha
Segundo a CartaCapital, a primeira licença foi concedida em abril de 2023. O haras, no entanto, só abriu oficialmente em novembro do mesmo ano. Ou seja: primeiro veio a água, depois vieram os cavalos. Como diria o ditado, “colocaram a carroça na frente dos bois” — ou melhor, a cisterna na frente da estrebaria.
E não para por aí: a empresa que administrava o haras foi extinta em março de 2024. Ainda assim, conforme noticiado, em abril de 2025 a outorga foi renovada por mais dois anos em nome da mesma empresa de seguros. Ou temos um caso de gestão pública paranormal, ou alguém precisa explicar como uma entidade inexistente continua a beber água oficial.
Água Para Uns, Sede Para Outros
Segundo dados apresentados pelas reportagens, a primeira autorização permitia a retirada de 39.210 metros cúbicos de água — o suficiente para encher 16 piscinas olímpicas. Traduzindo: daria para abastecer mais de 52 mil pessoas por um mês inteiro. Enquanto isso, em muitas comunidades do sertão sergipano, o carro-pipa ainda é a única fonte de abastecimento.
É a versão hídrica da desigualdade brasileira: para uns, um oceano; para outros, o deserto.
A Defesa Oficial
Em nota enviada à imprensa, a Secretária afirmou que não houve irregularidade. Segundo ela, a solicitação em nome da empresa de seguros ocorreu porque esta seria a proprietária do imóvel. Além disso, justificou que a baixa do CNPJ do haras foi apenas uma decisão administrativa, sem impacto na outorga.
Parece razoável? Talvez. Mas, como pontua a própria apuração jornalística, fica difícil explicar por que uma empresa que não existe mais continua a segurar a torneira aberta.
O Silêncio Que Grita
De acordo com a CartaCapital, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Sergipe, foi quem assinou a outorga. A primeira, em 2023, veio com o CNPJ borrado no Diário Oficial. Já a renovação, em 2025, apareceu limpinha, sem retoques. A transparência chegou tarde demais — e, paradoxalmente, apenas levantou mais suspeitas.
Enquanto isso, a fiscalização parece mais preocupada em apagar rastros do que em monitorar captações. A água, que deveria ser pública, flui para dentro de um haras privado.
Conclusão: Água com Dono
O caso do Haras Esperanza, segundo as investigações jornalísticas, é um retrato da captura do Estado por interesses familiares. A água, que a Constituição e a legislação ambiental definem como bem de domínio público, acaba usada como se fosse herança de família.
E aqui fica a pergunta incômoda: em Sergipe, a quem pertence a água? À sociedade, como garante a lei? Ou às famílias que têm influência suficiente para transformar até um seguro em canal de irrigação?
Enquanto não houver respostas claras — e investigações sérias do Ministério Público e órgãos de fiscalização —, a população sergipana continuará a ver um cenário onde a sede do sertão contrasta com situações como essas, até quando?
Este artigo foi baseado em reportagens do Mangue Jornalismo e da CartaCapital.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.
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