A DECISÃO DE DINO E O ABISMO FINANCEIRO: A QUEM OS BANCOS DEVEM OBEDIÊNCIA?
POR TIAGO HÉLCIAS

O Brasil nunca foi para amadores, mas, de vez em quando, parece que insistimos em subir o nível da dificuldade. Dessa vez, quem resolveu chacoalhar o tabuleiro foi o ministro Flávio Dino. Com uma canetada monocrática — e diga-se, bem ao estilo dos deuses togados do Supremo —, Dino decidiu que sanções estrangeiras não valem no Brasil sem o carimbo da Justiça brasileira. Bonito, não? Soberania em letras garrafais, hino nacional ao fundo, bandeira tremulando no imaginário coletivo.
Mas tire a lente do patriotismo inflado e encare o que realmente está em jogo: o Brasil decidiu bater de frente com o sistema financeiro global. É como um jogador de várzea que, no meio da pelada, resolve driblar o zagueiro europeu no Maracanã. O problema é que, aqui, o zagueiro é o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos — e ele não joga limpo.
A narrativa da soberania: aplaudida no plenário, ignorada no câmbio
A decisão nasceu de uma tentativa de blindagem. Blindagem de quem? De ninguém menos que Alexandre de Moraes, agora carimbado pela Lei Magnitsky dos Estados Unidos como “indesejável”. E aí, no alto da sua toga, Dino disse: “aqui não, violão, nossas regras valem mais que as de fora”.
O problema é que o dinheiro não liga para discursos. Ele é frio, pragmático e, principalmente, covarde. Diante de risco, ele corre. E corre rápido. No exato momento em que o Brasil anunciou sua rebeldia togada, bancos, consultorias e investidores começaram a rever contratos, ajustar limites de crédito e — por que não dizer? — ensaiar a velha dança da fuga de capitais.
A matinê da soberania na bolsa
Na terça-feira seguinte, chegou o espetáculo: as ações dos grandes bancos brasileiros despencaram. Foi um mergulho coletivo de R$ 41,9 bilhões em valor de mercado num só dia. Um Ibovespa -2,1%, dólar subindo, câmbio se espreguiçando para R$ 5,50. Itaú, BTG, Banco do Brasil, Bradesco, Santander — tudo afundou junto .
No dia seguinte, houve um alento tímido — recuperação de apenas 4%, ou R$ 1,67 bilhão restabelecido — o suficiente para mostrar que, no circo financeiro, o desespero dá lugar à esperança, mas a ferida ainda dói .
O Brasil no espelho de Carrie Lam
Quer entender como essa história termina? Olhe para Hong Kong. Carrie Lam, ex-chefe do Executivo local, foi sancionada pelos EUA no auge da repressão política. Resultado: não conseguia abrir conta em banco, nem mesmo nos chineses, que, em tese, não obedecem a Washington. Pois é, obediência seletiva. A China pode ter bomba nuclear, mas, no mundo financeiro, até ela tira o chapéu para a OFAC - Office of Foreign Assets Control (Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros), uma agência do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
Ela é responsável por administrar e fazer cumprir sanções econômicas e comerciais impostas pelos EUA contra países, entidades, organizações e indivíduos que representem ameaças à segurança nacional, política externa ou economia americana.
E agora nos colocamos no mesmo tabuleiro. Vamos imaginar que um Bradesco, um Itaú ou mesmo a Petrobras resolvam seguir a decisão de Dino e ignorem as sanções. O que acontece? Nada no primeiro dia. No segundo, chegam as cartas de advertência. No terceiro, contas correspondentes em dólar começam a ser fechadas. E, em menos de uma semana, estamos todos no escuro financeiro, sem crédito, sem liquidez, assistindo ao dólar explodir e à inflação morder o bolso do trabalhador que mal sabe o que é a tal “Lei Magnitsky”, mas que logo vai sentir no preço do gás, do pão e da conta de luz.
O efeito dominó que não aparece na TV
Se você acha que estou exagerando, vamos ao roteiro básico:
- Bancos perdem acesso a liquidações em dólar.
- Exportadores não conseguem fechar contratos, importadores atrasam entregas.
- Dólar dispara, puxando combustíveis, alimentos e remédios.
- Banco Central sobe os juros para tentar segurar o câmbio.
- Crédito encarece, empresas cortam turnos, adiam investimentos, demitem.
- Governo paga mais caro para rolar dívida, corta gastos públicos.
Resultado: a dona Maria, que já faz milagre no supermercado, vê o feijão subir. O seu José, motorista de aplicativo, paga mais caro pelo combustível. E o estudante que sonha com intercâmbio descobre que até o boleto da faculdade lá fora ficou proibitivo. Soberania, meus amigos, não paga boleto.
Ministrocracia em looping
E aqui chegamos ao ponto central: o Brasil está refém da ministrocracia. Enquanto novas regras tentam conter o excesso de decisões monocráticas, Dino reforça a ideia de que um ministro pode virar, sozinho, uma espécie de semideus jurídico. É a toga que fala mais alto que a diplomacia, que o Congresso, que o Executivo.
E isso não é só perigoso. É infantil. Não dá para brincar de potência quando se é um país emergente, dependente de crédito barato e de cadeias globais que obedecem a um único regulador: os Estados Unidos. No fim, é como aquele sujeito que desafia o dono do bar e depois quer continuar bebendo fiado. Uma hora, a conta chega.
O preço da ousadia
Quer manter soberania? Ótimo. Mas soberania se constrói com previsibilidade, diálogo diplomático e uma boa dose de realismo. O que Dino fez foi nos colocar no centro de um incêndio com um copo d’água na mão.
E aqui vai a ironia maior: a tal decisão que promete nos blindar contra as imposições externas pode nos deixar mais vulneráveis. Porque, no mundo financeiro, basta um e-mail vindo de Nova York para congelar linhas de crédito, sufocar empresas e, de quebra, empurrar a economia para o caos. Não é ideologia, é matemática.
O Brasil entre a vaidade e o pragmatismo
Enquanto isso, no Planalto, o discurso é de soberania. Nos jornais, a narrativa é de resistência. Mas no mercado, a realidade é que o Brasil está, mais uma vez, apostando contra a previsibilidade — e previsibilidade é o único ativo que atrai capital em países instáveis.
A pergunta que ninguém responde é simples: vale a pena arriscar tudo isso para proteger um único ministro? O preço dessa bravata será pago, como sempre, por quem pega dois ônibus para trabalhar, por quem depende de crédito para comprar comida, por quem já vive com o orçamento no limite.
E quando o caos bater à porta, não adianta culpar a “elite malvada”, o “imperialismo” ou a “mídia golpista”. O problema é muito mais simples: em um mundo interconectado, brincar de soberania sem calcular o custo é como flertar com um precipício. Uma hora, alguém cai.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
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