O SÉCULO DO JUDICIÁRIO: ATO I – EM COIMBRA, COM PLATEIA, PALMAS… E TEMER NA PRIMEIRA FILA!!
Por Tiago Hélcias
“A democracia é o governo do povo, para o povo, mas com a bênção prévia do Supremo Tribunal Federal.”
(Frase livremente inspirada no espírito da coisa.)
DO ALTO DOS ARCOS DE COIMBRA…
A histórica cidade universitária de Coimbra, em Portugal, acostumada ao silêncio respeitoso dos claustros acadêmicos e à solenidade dos seus becados doutores, virou palco — ou melhor, púlpito — de um dos mais emblemáticos momentos da judicialização da política brasileira.
Durante o Seminário de Verão promovido pelo Instituto de Estudos Jurídicos Avançados (Ipeja), um dos convidados ilustres foi o ministro Alexandre de Moraes, que não decepcionou: discursou com convicção, retórica e… plateia aplaudindo.
Na primeira fila, ninguém menos que Michel Temer, o mesmo que, ao apagar das luzes do seu governo, indicou Moraes ao STF. Ironias históricas à parte, trata-se também do mesmo Temer que foi rotulado por parte da esquerda como “golpista” por ter “tramado” contra Dilma Rousseff. Pois bem: o tempo passa, os adjetivos se acomodam, e todos se reencontram em Coimbra — agora sob o mesmo teto, unidos em nome do Direito.
O SÉCULO XXI É DO JUDICIÁRIO?
Foi aqui em solo lusitano que Alexandre de Moraes cravou:
“O século XXI é do Judiciário.”
A frase caiu como uma pedra no lago já turvo da política brasileira. E não por acaso: ela escancara, com todas as letras e sem qualquer pudor, aquilo que a prática já vinha demonstrando — o Judiciário deixou de ser árbitro e assumiu de vez o apito, a bola e até a confecção das regras.
Na plateia, entre risos e palmas, quem talvez não tenha achado tanta graça foi o Legislativo. A declaração reafirma o que muitos já temem: que a democracia brasileira anda com muletas jurídicas — e o Congresso, cada vez mais irrelevante, virou mero espectador dos rumos do país.
DO VOTO AO VOTO MONOCRÁTICO
A democracia representativa parece estar sendo substituída pela democracia de plenário… judicial. Não aquele onde se discutem leis, mas o outro, onde um ou dois ministros decidem o que é ou não constitucional — muitas vezes monocraticamente, em decisões liminares, sob a justificativa de urgência ou excepcionalidade.
Não se trata aqui de desprezar o Judiciário. Mas quando ministros passam a ser estrelas em eventos internacionais, ovacionados por declarações de protagonismo institucional, é preciso levantar a sobrancelha. Porque, se todo poder emana do povo, mas a última palavra vem do STF, então é hora de revisarmos o prefácio da nossa Constituição.
UM CASE FRESQUINHO: O IOF QUE SAIU DO PLENÁRIO DO CONGRESSO E ENTROU PELA PORTA DO STF
Se alguém ainda duvida da política terceirizando decisões, basta acompanhar o vaivém do IOF. Em maio, o governo publicou um decreto elevando a alíquota do imposto sobre operações financeiras para levantar cerca de R$ 12 bilhões e bater a meta fiscal. O Congresso não gostou do cheiro – derrubou o aumento numa tacada só. Resultado: no dia 1.º de julho de 2025, a Advocacia-Geral da União protocolou ação no Supremo para anular a derrota parlamentar, alegando que os deputados violaram a separação de Poderes. E quem foi sorteado relator? Alexandre de Moraes, claro (redistribuição proposta por Gilmar Mendes, chancelada por Barroso) .
O roteiro é perfeito para ilustrar a máxima de Moraes: o Executivo tenta, o Legislativo barra, o Judiciário decide. E o contribuinte — aquele que paga o imposto, mas não tem toga nem microfone — fica assistindo ao pingue-pongue tributário sem saber qual será a alíquota vigente quando acordar amanhã.
PLATEIA, APLAUSOS E PATROCÍNIO SEM DONO
Além das falas eloquentes e dos abraços entre ex-presidentes e ministros togados, o Seminário de Verão de Coimbra levantou outra dúvida incômoda: quem pagou a conta?
O evento promovido pelo Ipeja, entidade privada, não detalhou os patrocinadores — algo que vem sendo recorrente em fóruns jurídicos como o já conhecido “Gilmarpalooza”, o Fórum Jurídico de Lisboa. Num país onde a transparência deveria ser a tônica, principalmente quando se trata dos guardiões da Constituição, a falta de clareza sobre quem financia viagens, diárias e eventos soa, no mínimo, como contrassenso.
QUANDO A DEMOCRACIA VIROU UM CAPÍTULO DA LEI SECA
A grande ironia é que tudo isso acontece sob o pretexto de “defesa da democracia”. Mas de qual democracia estamos falando? Aquela do voto popular ou a da caneta judicial? A democracia do povo ou a democracia dos plenários revestidos em mármore?
No palco de Coimbra, enquanto os sinos das igrejas antigas ecoavam pelas ruas estreitas da cidade, os nossos ministros faziam história — ao menos no simbolismo. Uma história onde o Judiciário não é mais apenas intérprete da Constituição, mas ator central de um roteiro em que o povo só assiste… e paga o ingresso.
E você, caro leitor: acha que estamos vivendo o século da Justiça… ou da justificação jurídica para tudo aquilo que a política não consegue mais resolver?
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