MAPA DA FOME: ENQUANTO GOVERNO LULA COMEMORA, IBGE AFIRMA QUE REALIDADE É BEM DIFERENTE - QUEM DIZ A VERDADE?

POR TIAGO HÉLCIAS

Sabe aquele alívio que a gente sente quando recebe uma boa notícia, mas o estômago ainda está roncando? Pois é. O Brasil foi retirado, mais uma vez, do tal Mapa da Fome da ONU. E, como era de se esperar, o governo fez disso um desfile de vitória, com bandeirinhas, fogos e manchetes nos principais portais do país. Mas… e se esse “sumiço” do mapa for menos milagre e mais malabarismo metodológico?

Aqui no blog, eu não engulo nada sem mastigar. E, neste caso, o prato principal é temperado com dados, política e uma pitada generosa de questionamento. Vamos à mesa?

A SAÍDA DO MAPA: UM “PLIM PLIM” NO RELATÓRIO, UM SHOW NA PROPAGANDA

A tal boa nova veio no relatório SOFI 2025 da ONU — aquele tipo de documento que pouca gente lê, mas todo político ama citar. Segundo a FAO, o Brasil atingiu menos de 2,5% na chamada Prevalência de Subnutrição (PoU), que é o índice mínimo exigido para um país sair do Mapa da Fome. E, com isso — sumimos da lista da vergonha.

No triênio 2020-2022, estávamos com 4,7% de subnutridos — algo em torno de 10,1 milhões de brasileiros comendo menos do que precisavam. Em 2024, esse número caiu para 3,9%. E agora, oficialmente, ficamos abaixo da linha da ONU. Mérito das políticas públicas, dizem. Especialmente do Bolsa Família.

Mas e aí? Resolvemos o problema da fome no Brasil? Ou só mudamos o rótulo da lata vazia?

A REALIDADE NAS PANELAS: O QUE O IBGE TEM A DIZER

Enquanto os holofotes estão voltados para o desfile do governo federal, o IBGE aparece ali no canto da sala, discreto, segurando um relatório que joga água fria na comemoração. O instituto mede não apenas subnutrição, mas insegurança alimentar — aquela coisa mais palpável, do tipo: “vai ter janta hoje ou não vai?”.

Segundo o IBGE (2023), 27,6% dos domicílios brasileiros — ou seja, cerca de 21,6 milhões de casas — ainda enfrentam algum grau de insegurança alimentar. E o número mais indigesto: 14,3 milhões de lares vivem em insegurança severa. Isso mesmo, falta comida. Falta arroz, feijão, falta até a esperança.

Ok, houve uma melhora considerável desde os tempos de Bolsonaro, mas daí a cantar vitória? Calma lá.

A METODOLOGIA É AMIGA DE QUEM MANDA

Aqui começa a mágica. A FAO olha para a subnutrição crônica, baseada na média calórica mínima. Já o IBGE olha para o drama real das famílias brasileiras: qualidade da comida, frequência das refeições, e o medo de abrir a geladeira e encontrar só um tomate e um limão.

A ONU usa um indicador técnico, padronizado, ótimo para comparações internacionais. O IBGE usa a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) — mais detalhista, mais próxima da vida real. É como comparar um relatório contábil com o extrato do banco no fim do mês. Um pode dizer que você está “estável”. O outro mostra que você está no cheque especial, há três semanas, esperando o próximo PIX da sogra.

AS POLÍTICAS SOCIAIS FUNCIONAM? FUNCIONAM. MAS SÃO REMENDO, NÃO SOLUÇÃO

Vamos direto ao ponto: transferência de renda não é plano de país. É plano de emergência. E há muito tempo o Brasil transformou o Bolsa Família em um projeto de perpetuação da pobreza — onde se remunera a miséria em vez de combatê-la.

É claro que, num país com desigualdades brutais e milhões de pessoas em insegurança alimentar, intervenções de curto prazo como o Bolsa Família têm seu papel. Mas não dá pra romantizar. Nem fingir que ampliar esse “benefício” é avanço. Ao contrário: quanto mais gente dependente do Estado para comer, maior o fracasso das políticas de desenvolvimento, educação e geração de emprego.

Celebrar o aumento do número de beneficiários como se fosse uma vitória é, na prática, atestar o certificado de incompetência estrutural do governo. O que deveríamos estar fazendo é justamente o oposto: reduzindo o número de dependentes porque essas pessoas passaram a ganhar seu sustento com dignidade — no mercado de trabalho, empreendendo, estudando, progredindo.

Mas esse discurso não rende voto, né? O que rende é o controle. A dependência como moeda política.

Programas como o Plano Brasil Sem Fome, as cozinhas solidárias, e até a volta do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) são iniciativas interessantes, mas seguem sendo remendos emergenciais, quando o que o Brasil precisa mesmo é trabalho formal, industrialização, inovação, crédito acessível e educação profissionalizante.

É como manter a UTI lotada e se orgulhar de que tem leito para todos. O que a gente precisa é de menos doente, não de mais maca.

ENTÃO, PAPITO, ESTAMOS OU NÃO FORA DA FOME?

Estamos fora do Mapa da Fome da ONU, mas ainda dentro do Brasil da Fome real. E isso não é contradição — é um lembrete. O mesmo país que aparece como “modelo internacional” ainda abriga milhões que não sabem o que vão comer amanhã. A verdadeira vitória será quando os dados da ONU e os dados do IBGE apontarem na mesma direção.

Enquanto isso, é prudente manter o ceticismo em alta e o estômago atento. É necessário fazer o que quase ninguém quer: olhar os dados com frieza e analisar os limites da euforia.

Não há almoço grátis. A fome pode estar em queda, mas a insegurança alimentar ainda reina em boa parte do território. E não adianta forçar manchete pra inglês ver — porque quem tem fome não lê relatório da ONU. Quem tem fome quer comida na panela, dignidade no prato, e um Estado que não tire férias da realidade.

VEJA A PLANILHA COMPARATIVA — FOME, SUBNUTRIÇÃO E INSEGURANÇA ALIMENTAR

(Brasil: dados recentes FAO/ONU x IBGE)

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

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