JOGO DAS CADEIRAS: UMA REFLEXÃO SOBRE INDICAÇÕES POLÍTICAS NO STF E TRIBUNAIS DE CONTAS

POR TIAGO HÉLCIAS

No Brasil, sentar em uma cadeira do Supremo Tribunal Federal ou em um Tribunal de Contas não é apenas uma ascensão de carreira – é um ritual de consagração política. Mas quem indica? Quem aprova? E, mais importante: a quem esses senhores e senhoras devem fidelidade?

Este não é um texto para lançar acusações contra A, B ou C. Seria fácil demais. A proposta aqui é mais incômoda: questionar o sistema. Expôr o arranjo, o teatro, o velho jogo do “você me deve essa”, que segue firme nas engrenagens do poder institucional brasileiro.

O Jogo das Cadeiras e a Arte de Indicar

No intrincado tabuleiro da política brasileira, poucas jogadas são tão estratégicas e reveladoras quanto as indicações para cargos de alto escalão. Seja no Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, ou nos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs), que fiscalizam o erário público, a caneta do poder desenha destinos e molda a paisagem institucional. Em vez de questionar a idoneidade individual dos nomes indicados, o que se propõe aqui é uma reflexão sobre o modelo de indicação que, por sua natureza, abre portas para a politização de instituições essenciais à democracia.

O STF: Onde a Política Encontra a Toga (e Vice-Versa)

O Supremo Tribunal Federal, com seus 11 ministros, é frequentemente visto como o ápice da carreira jurídica no Brasil. No entanto, a indicação para uma cadeira na Corte Suprema é, antes de tudo, um ato político. O presidente da República, munido de sua prerrogativa constitucional, escolhe nomes que, via de regra, refletem sua visão de mundo, seus interesses e, por que não dizer, suas conveniências. A sabatina no Senado Federal, embora teoricamente um filtro rigoroso, muitas vezes se assemelha a um ritual de passagem, onde a lealdade e a capacidade de agradar pesam mais que o notório saber jurídico ou a reputação ilibada.

Analisando a composição atual do STF, é possível traçar um mapa das influências presidenciais:

  1. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, deixou sua marca com a indicação de Gilmar Mendes.
  2. Lula, em seus diferentes mandatos, foi o presidente que mais indicou ministros, com nomes como Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
  3. Michel Temer indicou Alexandre de Moraes. Bolsonaro, por sua vez, deixou sua contribuição com Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
  4. Dilma Rousseff também teve um número significativo de indicações, como Luiz Fux e Edson Fachin.

Essa dinâmica de indicações, onde cada presidente busca deixar seu legado na mais alta corte do país, é um lembrete constante de que, no Brasil, a política e o direito caminham de mãos dadas, muitas vezes em um abraço apertado que beira a simbiose. A questão que fica é: até que ponto essa proximidade é saudável para a democracia e para a imparcialidade da justiça? Ou será que, no fim das contas, o STF é apenas mais um palco onde o jogo político é encenado, com togas e martelos no lugar de palanques e discursos?

A resposta, como sempre, é complexa e cheia de nuances, mas uma coisa é certa: a próxima indicação será aguardada com a mesma ansiedade e especulação de um novo capítulo de uma novela das oito.

O Controle Externo com Sabor Local

Se no plano federal o STF é o grande palco das indicações presidenciais, nos estados, os Tribunais de Contas (TCEs) cumprem um papel similar, embora com um alcance mais regional. A composição dos TCEs é um reflexo direto do poder dos governadores e das Assembleias Legislativas, que, em um arranjo muitas vezes questionável, dividem a prerrogativa de indicar os conselheiros responsáveis por fiscalizar as contas públicas.

Em Sergipe, meu estado Natal, a dinâmica não é diferente. A Constituição Estadual estabelece que, das sete vagas de conselheiro, três são indicadas pelo governador, com aprovação da Assembleia Legislativa, e as demais são preenchidas por membros do Ministério Público de Contas e auditores do próprio Tribunal. Essa estrutura, que deveria garantir um controle técnico e imparcial, muitas vezes se transforma em um balcão de negócios políticos, onde a indicação de um conselheiro pode ser a moeda de troca para apoios e alianças.

Nomes como:

Susana Azevedo, Flávio Conceição de Oliveira Neto, Luis Alberto Meneses, e José Carlos Felizola compõem o quadro atual do TCE-SE.

As indicações, ao longo do tempo, refletem as gestões dos governadores que passaram pelo estado.

Por exemplo: Luís Alberto Meneses foi nomeado pelo governador Belivaldo Chagas, e Luiz Augusto Ribeiro pelo então governador Marcelo Déda.

A aprovação dessas indicações pela Assembleia Legislativa, muitas vezes por voto secreto, reforça a opacidade do processo e a dificuldade de se fiscalizar a influência política sobre um órgão que deveria ser técnico por excelência. A pergunta que fica é: até que ponto a fiscalização das contas públicas é realmente independente quando os fiscalizadores são, em grande parte, indicados por aqueles que serão fiscalizados?

A resposta, para muitos, é um silêncio eloquente que ecoa nos corredores do poder.

O Controle Externo e as Teias Familiares

Em Alagoas, onde desenvolvi um trabalho profissional intenso e onde tenho vínculos familiares, a situação do Tribunal de Contas do Estado (TCE-AL) segue a mesma lógica de Sergipe, com a particularidade de que as indicações para o órgão de controle externo frequentemente se entrelaçam com as teias familiares e políticas que dominam o estado.

A composição do TCE-AL, assim como em outros estados, é um espelho das relações de poder e da influência dos grupos políticos que se revezam no comando do Executivo e do Legislativo.

Nomes como:

Otávio Lessa de Geraldo Santos, Fernando Toledo, e Rodrigo Siqueira Cavalcante figuram entre os conselheiros do TCE-AL.

As indicações para essas cadeiras são, muitas vezes, alvo de intensos debates e questionamentos, especialmente quando envolvem laços de parentesco com figuras políticas proeminentes.

A nomeação de Rodrigo Cavalcante, por exemplo, foi aprovada pela Assembleia Legislativa após indicação do governador. A discussão sobre a indicação de Olavo Calheiros, tio do então governador Renan Filho e irmão do senador Renan Calheiros, para uma vaga no TCE-AL, ilustra bem como as relações familiares podem influenciar diretamente a composição de um órgão que deveria zelar pela impessoalidade e pela moralidade pública.

Essa proximidade entre o poder político e os órgãos de controle levanta sérias dúvidas sobre a efetividade da fiscalização. Afinal, como esperar uma análise rigorosa e imparcial das contas públicas quando os responsáveis por essa fiscalização são indicados por aqueles que serão fiscalizados, e muitas vezes, são seus próprios parentes ou aliados políticos? A transparência e a meritocracia, princípios fundamentais para a credibilidade de qualquer instituição, parecem ser meros detalhes em um jogo onde as cartas já estão marcadas.

A crônica política das indicações para os TCEs, tanto em Sergipe quanto em Alagoas e em qualquer estado brasileiro é um lembrete contundente de que a reforma política e a moralização das instituições ainda são desafios urgentes a serem enfrentados no Brasil, para que o controle externo não se torne apenas mais um braço do poder, mas sim um verdadeiro guardião dos interesses da sociedade.

A Raiz do Problema e as Alternativas Necessárias

A politização da justiça, especialmente em órgãos de controle como o STF e os TCEs, não é um fenômeno novo, mas sua intensidade e suas consequências têm se tornado cada vez mais evidentes. O problema reside na raiz do processo de indicação, que privilegia a proximidade política em detrimento de critérios estritamente técnicos e meritocráticos. Para mudar esse cenário, é preciso refletir sobre o modus operandi atual e buscar alternativas que fortaleçam a independência e a imparcialidade dessas instituições.

Uma das alternativas mais debatidas é a adoção de critérios mais objetivos e transparentes para a escolha dos membros dessas cortes. Isso poderia incluir a exigência de uma carreira jurídica consolidada, com tempo mínimo de atuação em determinadas áreas, a realização de concursos públicos para vagas técnicas (como já ocorre com auditores e procuradores de contas), ou a criação de comitês de seleção independentes, compostos por representantes da academia, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de outras entidades da sociedade civil.

Tais comitês poderiam apresentar listas tríplices ou sêxtuplas, com nomes avaliados por sua capacidade técnica e reputação ilibada, reduzindo o poder discricionário do chefe do Executivo.

Outra proposta é a limitação do número de indicações por presidente ou governador, a fim de evitar a concentração de poder e a formação de maiorias ideológicas nas cortes. Além disso, a sabatina no Legislativo poderia ser aprimorada, com a participação de especialistas e a realização de audiências públicas mais aprofundadas, que realmente avaliem o conhecimento jurídico e a independência do indicado, e não apenas sua capacidade de responder a perguntas protocolares.

A transparência do processo também é fundamental, com a divulgação de todos os currículos, pareceres e manifestações, permitindo que a sociedade acompanhe de perto cada etapa da indicação.

É fundamental que a sociedade civil, a academia e os próprios membros do Judiciário e dos Tribunais de Contas se engajem nesse debate, pressionando por reformas que garantam a autonomia e a credibilidade dessas instituições. A politização da justiça fragiliza a democracia, mina a confiança dos cidadãos e compromete a efetividade do controle sobre o poder público.

Mudar esse problema na raiz significa construir um sistema mais justo, transparente e verdadeiramente independente, onde a toga seja vestida por mérito e não por conveniência política. É um desafio hercúleo, mas absolutamente necessário para o futuro da nossa República.

A pergunta é:

Será que é de interesse?

Quem Indicou Quem: Um Raio-X das Cadeiras de Poder

Para ilustrar o cenário das indicações políticas, trago um resumo dos atuais membros do STF e dos TCEs de Sergipe e Alagoas, com seus respectivos padrinhos políticos:

Supremo Tribunal Federal (STF)

• Gilmar Mendes: Indicado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB)

• Cármen Lúcia: Indicada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

• Dias Toffoli: Indicado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

• Luiz Fux: Indicado por Dilma Rousseff (PT)

• Edson Fachin: Indicado por Dilma Rousseff (PT)

• Luís Roberto Barroso: Indicado por Dilma Rousseff (PT)

• Alexandre de Moraes: Indicado por Michel Temer (MDB)

• Rosa Weber: Indicada por Dilma Rousseff (PT)

• Kassio Nunes Marques: Indicado por Jair Bolsonaro (PL)

• André Mendonça: Indicado por Jair Bolsonaro (PL)

• Cristiano Zanin: Indicado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

• Flávio Dino: Indicado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE-SE)

• Susana Maria Fontes Azevedo Freitas: (Origem: Ministério Público de Contas)

• Flávio Conceição de Oliveira Neto: (Origem: Auditor do TCE)

• Luis Alberto Meneses: Indicado pelo Governador Belivaldo Chagas

• José Carlos Felizola: (Origem: Ministério Público de Contas)

• Luiz Augusto Ribeiro: Indicado pelo Governador Marcelo Déda

• Ulices Andrade: (Origem: Deputado Estadual)

• Angélica Guimarães: (Origem: Deputada Estadual)

Tribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE-AL)

• Otávio Lessa de Geraldo Santos: (Origem: Auditor do TCE)

• Fernando Toledo: (Origem: Deputado Estadual)

• Rodrigo Siqueira Cavalcante: Indicado pelo Governador Renan Filho

• Anselmo Roberto: Indicado pelo Governador

• Maria Cleide Costa Beserra: (Origem: Ministério Público de Contas)

• Rosa Maria Ribeiro de Albuquerque: (Origem: Auditora do TCE)

• Alberto Pires Alves de Abreu: (Origem: Auditor Substituto)

É importante ressaltar que as origens dos conselheiros dos TCEs podem variar entre indicação do governador, eleição pela Assembleia Legislativa (geralmente para ex-deputados), membros do Ministério Público de Contas e auditores do próprio Tribunal.

A lista acima busca identificar o “padrinho” político direto quando a indicação é de prerrogativa do chefe do Executivo ou do Legislativo, ou a origem da vaga quando se trata de carreira interna do Tribunal ou do Ministério Público de Contas.

O Futuro das Indicações e a Busca por um Sistema Mais Justo

É fundamental reiterar que a presente análise não busca lançar desconfianças sobre a idoneidade ou a capacidade dos nomes que hoje ocupam as cadeiras do STF e dos TCEs. O cerne do debate reside na necessidade premente de se refletir sobre o modelo de indicações políticas que, por sua própria natureza, pode comprometer a independência e a imparcialidade de órgãos vitais para a fiscalização e o equilíbrio dos poderes.

A politização da justiça, seja por afinidade ideológica ou por laços de parentesco, é um problema estrutural que precisa ser enfrentado na raiz, para que a confiança nas instituições seja restabelecida e a justiça seja, de fato, cega e imparcial.

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

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