BRASIL: O PAÍS QUE GRITA “SOBERANIA” ENQUANTO SE VENDE EM SILÊNCIO

POR TIAGO HÉLCIAS

De umas semanas pra cá, “soberania” virou trend topic — não no Twitter (X), mas nos discursos inflamados, nos debates de botequim e, claro, nas falas indignadas do atual governo, que adora gritar ao mundo que o Brasil é um país soberano, sim senhor. Bonito no cartaz, bonito no slogan. Mas… será mesmo?

Talvez valha a pena tirar a palavra da boca dos palanques e das postagens e devolvê-la à prateleira do bom senso. Vamos estudar um pouquinho?

Soberania: Do Latim ao Latim Juridiquês

A ideia de soberania não nasceu nas lives do governo, nem nos posts de “influenciadores patrióticos” que mal sabem a diferença entre PIB e Pix. Ela vem de longe. Da Idade Média. Mas ganhou cara, forma e polegares opositores no século XVI com Jean Bodin, um francês que, muito antes do TikTok, já falava em poder “absoluto e perpétuo” de um Estado.

Curiosamente, aqui em Portugal — país com vocação para a introspecção histórica — a soberania também ganha contornos simbólicos. No alto do edifício da Assembleia da República, em Lisboa, ergue-se a imponente estátua da Soberania: uma figura feminina serena, coroada de louros.

Não grita, não gesticula, não posta em rede social. Apenas vigia. Representa a estabilidade do Estado, o equilíbrio entre os poderes e a dignidade institucional.

Na prática, é isso: soberania é a capacidade de um país mandar em si mesmo. Fazer suas próprias leis, tomar decisões sem precisar perguntar “pode isso, Arnaldo?” a potências estrangeiras ou bancos multinacionais. É ter povo, território, governo e, sobretudo, respeito dos outros Estados.

Portugal e a Soberania Silenciosa: Quando o Estado Fala Baixo, Mas Age Alto

Enquanto o Brasil faz da soberania um grito desesperado de palanque e uma hashtag de ocasião, Portugal segue outro caminho — menos barulhento, mais sólido. Aqui, a soberania não precisa ser berrada aos quatro ventos. Ela se impõe no silêncio institucional, nas práticas republicanas e no respeito ao próprio Estado.

Na política externa, Portugal atua com diplomacia e inteligência estratégica. Faz parte da União Europeia, sim, mas não abriu mão de sua voz própria — especialmente em temas sensíveis como energia, migração e segurança marítima. Há negociação, não submissão. Cooperação, não servilismo. E o mais curioso: nunca se ouve por aqui um ministro e militância batendo no peito dizendo “somos soberanos!”. Talvez porque eles realmente sejam.

Na economia, mesmo com forte dependência dos fundos europeus e dos investimentos estrangeiros, o país adota uma postura reguladora e vigilante. Controla setores-chave com mão firme — sem fantasias de estatismo, mas também sem entreguismo vulgar. Aqui, o neoliberalismo não anda de mãos dadas com o patrimonialismo, como costuma acontecer no Brasil tropical.

E no campo da justiça? Portugal passou recentemente por uma crise política séria, que culminou na renúncia de um primeiro-ministro. E o que se viu? Nenhuma ameaça de ruptura, nenhum ataque ao Judiciário, nenhum general fardado gravitando em volta do poder civil. O sistema funcionou. A crise foi institucionalizada, não instrumentalizada. Em vez de desmoronar, as instituições deram conta do recado. Isso também é soberania: quando o Estado não precisa de espetáculo para mostrar que está vivo.

É um contraste gritante — e irônico — com o Brasil, onde soberania virou sinônimo de grito, não de gesto. Em terras brasileiras, se grita “independência!” com a mesma naturalidade com que se ataca a imprensa ou se flerta com autoritarismos.

No fim das contas, a verdadeira soberania talvez more nesse silêncio que fala mais que mil discursos. Uma espada em uma mão, um escudo na outra — não para ameaçar, mas para proteger. Portugal esculpiu a sua em pedra. O Brasil, por enquanto, segue tentando esculpir a sua no grito.


Mas aí você pergunta: o Brasil é soberano?

Bom, depende do que você chama de soberania. E de quanta vergonha na cara o país tem para bancá-la.

Brasil: Um País de Soberanias Parcialmente Nubladas

Soberania Econômica (ou a eterna exportação de grãos e ilusões)

Dizem que temos soberania econômica porque temos Banco Central “independente” e um agronegócio pujante. Mas a realidade é outra: cambaleamos a cada espirro da China, ficamos reféns do preço da soja, e entramos em pânico quando os EUA resolvem brincar de protecionismo. Nossa economia é tipo aquele adolescente que acha que é independente porque mora sozinho, mas ainda liga pra mãe pra perguntar como faz arroz.

Soberania Financeira (ou quem manda mesmo é o rentismo)

Com uma dívida pública que sangra, um sistema bancário concentrado e um juro real que parece piada de mau gosto, o Brasil vive sob o jugo do capital. O Banco Central pode até ser “livre”, mas parece mais um freelancer de luxo a serviço do mercado. Enquanto isso, a soberania vai sendo trocada por estabilidade aparente — e o povo, por “indicadores macroeconômicos”.

Soberania Institucional (ou quando as raposas cuidam do galinheiro)

Instituições fortes garantem soberania. Mas como confiar num Judiciário que vive entre liminares suspeitas e relações promíscuas com a política? Como confiar num Congresso que troca sua função por emendas secretas? Corrupção virou metástase institucional. E se o próprio Estado sabota a si mesmo, que tipo de soberania estamos defendendo?

Soberania Social (ou o país que abandonou sua própria gente)

É aqui que a máscara cai de vez. Não há soberania possível num país em que boa parte da população não tem acesso pleno a saúde, educação, segurança ou dignidade. A soberania social é a mais negligenciada de todas — porque ela não dá lucro, não sai no G20 e não entra nas planilhas do FMI. É a soberania invisível. E, no Brasil, invisível é sinônimo de irrelevante.

Entre o Hino e a Autodefesa

A esquerda e a direita brasileira abraçaram a palavra “soberania” com força, sobretudo após os estragos das políticas entreguistas do passado recente. E não estão errados em defender o controle sobre nossas riquezas, empresas estatais, petróleo, biodiversidade e alimentos.

O problema é que, muitas vezes, essa tal soberania vem embalada em um discurso seletivo. É soberania pra falar mal do um dos outros, mas silêncio cúmplice diante de escândalos internos. É proteção contra o capital estrangeiro, mas com tolerância à ineficiência estatal. É a utopia de um Estado forte — mas sem coragem pra enfrentar suas próprias mazelas.

E assim, o discurso vai ficando bonito no papel… e impotente na prática.

O País que Grita “Soberania!” Enquanto se Vende em Silêncio

A soberania, no Brasil, virou bandeira — mas bandeira de conveniência. Serve para justificar protecionismo, esconder incompetência, alimentar a narrativa contra “o inimigo externo” e distrair o povo do verdadeiro algoz: o próprio Estado brasileiro.

Enquanto não encararmos que soberania exige muito mais do que discursos inflamados e memes patrióticos, vamos continuar nesse teatro de ilusões. Porque, no fundo, o Brasil não perdeu sua soberania para potências estrangeiras. Ele entregou, de bandeja, aos próprios vícios.

E segue assim: soberano no grito, mas submisso na prática.

Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.

Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.

Siga nas redes para continuar a conversa

Acesse: https://linklist.bio/tiagohelcias

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mordaça Seletiva: Quando o riso vira crime e o crime vira piada

CARTA AO AMIGO ANDRÉ BARROS: A ÚLTIMA PAUTA E O ADEUS QUE NUNCA SERÁ DEFINITIVO

DEPORTAÇÃO E HIPOCRISIA: Como Portugal Manda Embora Quem Sustenta sua Economia