ARACAJU NO FUTURO: FROTA VERDE, COFRE VERMELHO - A ELETROMOBILIDADE CHEGOU COM BOLETO?
Por Tiago Hélcias
“Mobilidade elétrica é o futuro, dizem. Mas será que estamos preparados para pagar o preço da pressa, sem aprender com quem já tropeçou no caminho?”
Desde que desembarquei na Europa em 2022, um dos primeiros choques culturais que tive não foi com a língua, nem com o clima, mas com o barulho – ou melhor, a falta dele. Em Braga, onde costumo ir, os ônibus passam deslizando como fantasmas bem-comportados: nada de ronco de motor, fumaça preta ou solavancos. São 100% elétricos, e já fazem parte da paisagem urbana há tempo suficiente para parecerem invisíveis.
Por isso mesmo, quando li a notícia de que Aracaju se tornou a primeira capital do Nordeste a operar uma frota de ônibus urbanos 100% elétricos, o peito encheu de orgulho… e a cabeça de perguntas.
É claro que há um simbolismo forte e necessário nesse tipo de avanço. Aracaju está dando um passo corajoso, assumindo a dianteira num cenário onde a eletromobilidade ainda engatinha no Brasil. Mas, como quem já pegou muita carona nessa história aqui na Europa, preciso dizer: não se iludam com o silêncio dos motores elétricos — a eletrificação é uma estrada longa, cara, cheia de rotas alternativas e com pedágios escondidos.
Os números são bonitos. Mas o futuro exige mais que inauguração
A frota de Aracaju, composta por 15 veículos Azure A12BR da fabricante chinesa Skywell, entrou em operação no dia 27 de junho de 2025. A cidade também investiu em sete supercarregadores, em uma usina solar, na requalificação de terminais e no reforço da rede elétrica. Um pacote completo, que custou cerca de R$ 161 milhões, com financiamento garantido por meio do PAC.
Ficha técnica dos veículos? Impressiona:
- Autonomia: 270 km
- Capacidade: 75 passageiros
- Emissão evitada: 1.650 toneladas de CO₂ por ano
- Tempo de recarga: até 3 horas
- Garantia de bateria: 8 anos
E sim, o custo energético diário dos ônibus elétricos (cerca de R$ 3.800) é muito mais baixo do que o do diesel (em torno de R$ 9.400).
A conta fecha no papel, mas como alguém que vive a experiência em tempo real por aqui, eu aprendi que o custo real da eletromobilidade não está só no combustível — está na manutenção, na infraestrutura, no planejamento contínuo e, principalmente, na imprevisibilidade da tecnologia.
Portugal e a Europa: o spoiler (não tão) feliz
Portugal vem eletrificando sua frota há anos. Braga, Lisboa e Porto têm ônibus elétricos e híbridos em operação com apoio maciço de fundos europeus. Por aqui, não faltam metas climáticas, subsídios generosos e planos de mobilidade de fazer inveja a muito gestor brasileiro.
Mas calma. Nem tudo é flow europeu. Sabe o que falta em Braga, por exemplo? Postos de recarga suficientes. Em alguns bairros, motoristas de carros elétricos entram em fila virtual para carregar o veículo — e às vezes o ponto sequer funciona. Os ônibus, claro, têm prioridade, mas mesmo assim, a gestão de recarga exige planejamento milimétrico.
Outro ponto: a capacitação técnica. Oficinas tiveram que se reinventar. O mecânico tradicional virou quase um engenheiro de alta tensão. Aqui se formaram técnicos especializados, com certificações específicas para lidar com baterias e sistemas elétricos. E isso leva tempo — e dinheiro.
Além disso, a autonomia das baterias ainda é um desafio prático. Não dá para imaginar um ônibus fazendo 270 km num dia de sol escaldante com ar-condicionado no máximo, carregado de passageiros e subindo ladeira. Em Braga, já vi ônibus precisarem ser realocados em meio ao trajeto, por questão de carga. E isso, repito, numa cidade com planejamento europeu.
Aracaju pode virar case… ou alerta
É aqui que entra minha preocupação. O movimento de Aracaju é louvável — e pioneiro. Mas será que estamos tratando esse avanço como política pública séria, ou como marqueteamento de sustentabilidade?
Algumas perguntas que ainda pairam no ar:
- O financiamento desses ônibus previu contratos de desempenho (para medir consumo, autonomia, disponibilidade)?
- Os motoristas e mecânicos foram capacitados de forma contínua e com suporte técnico internacional?
- A Energia já planejou a expansão da rede para absorver o aumento da demanda de forma escalonada?
- E quando terminar a garantia das baterias (em 8 anos), há previsão de substituição ou reaproveitamento, ou vamos fingir surpresa quando os custos explodirem em 2033?
Aqui em Portugal, vi frotas ficarem temporariamente paradas porque a troca de um módulo de bateria levou 3 meses. Também vi cidades que prometeram “100% elétrico até 2024” postergarem metas porque infraestrutura, meu amigo, não se resolve no gogó.
Conclusão: carro elétrico é o futuro, mas quem segura o volante?
Aracaju merece aplausos. Começou certo. Fez o investimento, trouxe tecnologia de ponta e deu um passo histórico para o Nordeste. Mas o mais difícil agora é transformar esse passo em maratona — e não tropeçar na vaidade política.
A eletromobilidade é como aquele relacionamento com quem a gente sempre sonhou: é linda, silenciosa, te faz respirar melhor… mas cobra atenção constante e custa caro manter.
Se não houver um plano de longo prazo, com metas realistas, atualização contínua de equipe técnica, medição séria de desempenho e transparência nos resultados, o que hoje é símbolo de modernidade pode virar sucata elétrica em pátio público.
E se tem algo que aprendi com os autocarros de Braga, é que o futuro não se alcança só com coragem — se faz com planejamento, revisão constante e humildade para copiar o que já deu certo.
Tiago Hélcias é Jornalista, mestrando em Comunicação Digital, morador de Portugal, usuário diário do transporte público elétrico, crítico por natureza e otimista com limite de autonomia.
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