LIKES, REELS E POLITICAGEM: A ERA DO POLÍTICO-SHOW
POR TIAGO HÉLCIAS

Antes do TikTok, antes dos Reels, antes até da internet discada fazer barulho na linha telefônica, a imagem já mandava no jogo. Eu lembro bem — era começo dos anos 90, e um comercial de refrigerante ousava dizer o contrário: “Imagem não é nada, sede é tudo.” Sprite. Direto ao ponto.
Mas no fundo, era justamente o contrário: a imagem era tudo. Aquela frase virou um fenômeno porque ironizava o próprio poder da publicidade — e mostrava o quanto a gente já estava condicionado a acreditar no que via, não necessariamente no que era.
Foram anos e anos de jingles grudentos, slogans que viraram bordão popular e políticos que entenderam cedo o poder de uma boa encenação. Lembro de campanhas em que o desafio não era o discurso — era o enquadramento, a luz, o sorriso no segundo certo, o corte de câmera que humanizava o candidato. Nos bastidores, a gente sabia: não basta ter razão, é preciso ter ritmo.
A publicidade sempre foi um espelho da sociedade — e, às vezes, o espelho distorce. Na Segunda Guerra, os cartazes de propaganda pediam sacrifício em nome da pátria; nas décadas seguintes, pediam voto em nome da esperança. Mudavam as cores, os rostos, os slogans — mas a essência era a mesma: moldar a percepção coletiva.
Hoje, o outdoor virou feed. O jingle virou trend. E o cabo eleitoral de rua foi substituído pelo algoritmo. O palco mudou, mas o roteiro é o mesmo: convencer, emocionar, manipular. Só que agora, tudo acontece em 15 segundos e com trilha sonora viral.
E é nesse ponto que a política reencontra a publicidade. Porque o que antes era “imagem é tudo” agora virou “like é tudo”. A diferença é que, antes, a gente precisava de uma agência para produzir o impacto. Hoje, basta um celular e uma boa história — ou, em muitos casos, uma boa provocação.
Eu já vi de tudo em campanha, mas confesso — nada me surpreende tanto quanto essa era dos vídeos curtos. Agora, o candidato que não grava um reel bem editado corre o risco de ser mais esquecido que promessa de campanha no dia seguinte à eleição.
A política virou entretenimento. E não falo disso com moralismo, não — falo com a experiência de quem passou anos tentando traduzir ideias complexas em 30 segundos de TV. Hoje, os 30 segundos continuam, mas mudaram de canal e de linguagem. O palanque agora cabe na palma da mão, e o discurso virou um corte vertical com legenda automática.
TikTok, Reels e Shorts: o novo comitê de campanha
As redes não apenas mudaram a forma de comunicar — elas reescreveram as regras do jogo. O eleitor virou espectador e o político, um personagem em tempo integral. E o algoritmo? Esse é o novo marqueteiro-chefe. Decide quem aparece, quem some e quem dança.
Quem entende essa dinâmica sai na frente. Não é coincidência que a política de Aracaju esteja cada vez mais adaptada a esse formato. Cada vereador, prefeita ou pré-candidato virou produtor de conteúdo, com roteiro, enquadramento e, claro, “espontaneidade calculada”.
Aracaju: um reality show de narrativas políticas
Na capital sergipana, a guerra política agora é travada em vídeos de 30 segundos. É o Big Brother das estratégias digitais, e cada personagem tem seu papel bem definido, vejamos:
Elber Batalha (PSB): o repórter indignado
Elber Batalha faz política com ritmo de reportagem. Ele grava, explica, ironiza e denuncia — tudo no mesmo fôlego. Suas postagens têm a pegada de quem quer educar o eleitor e, de quebra, viralizar. Outro dia, cutucou a prefeita Emília Corrêa dizendo que ela “foge pro TikTok, silencia e vai se deitar num banco de parque de R$ 15 mil do bolso do povo”.
É o tipo de ironia que funciona bem nas redes: mistura didatismo com provocação. O eleitor compartilha, comenta, e o vídeo faz o que muitos discursos de plenário não fazem há tempos — chama atenção.
Candisse Carvalho (PT): a comunicadora que transformou ironia em arma política
Candisse, jornalista experiente, entendeu o que muitos marqueteiros ainda relutam em aceitar: humor é ferramenta de persuasão. Enquanto uns postam releases, ela posta memes. E quando chamou a prefeita de “Prefa T!kt0k”, acertou na mosca.
Três sílabas que resumem a era política atual: forma sobre conteúdo, estética sobre substância. Candisse soube usar a ironia como bisturi — corta, mas não sangra. E o público jovem, acostumado a rir da tragédia nacional, entende o recado.
Emília Corrêa (PL): a prefeita influencer
Do outro lado, Emília Corrêa aposta em leveza, boas vibrações e vídeos bíblicos entre uma obra e outra. É a prefeita que ora, sorri, dança e administra — tudo no mesmo feed.
Sua estratégia é simples e eficiente: aproximar-se do eleitor por meio da empatia e da imagem. Não é discurso, é performance. E funciona. O eleitor gosta de se sentir perto do poder — nem que seja via trend do TikTok.
Mas Aracaju não é um caso isolado — é só um espelho do que está acontecendo em todo o mundo. O fenômeno dos vídeos curtos e da política performática ultrapassa fronteiras e revela duas faces da mesma moeda: o entretenimento como ferramenta de poder.
Nikolas Ferreira e a profissionalização do amadorismo
Nikolas Ferreira, goste-se ou não dele, é o exemplo perfeito de como a política virou reality show com roteiro improvisado. Ele transformou a selfie em palanque e o microfone em extensão do ego. Sua estética é de “gente comum”, mas tudo é calculado: tom de voz, pausas, caretas, hashtags. Ele entendeu o algoritmo antes de muita gente entender o que era algoritmo.
Nikolas não discute — performa. Seu discurso é simples, polarizador, moralista, mas embalado com ritmo de entretenimento. Ele vende indignação em pílulas de 60 segundos. E o público compra. Resultado: criou uma geração de “nikolinhos” país afora, todos achando que o barulho dá mais voto do que o argumento. Em muitos casos, dá mesmo.
Obama: o pioneiro que mostrou o outro caminho
Mas é impossível falar de comunicação política digital sem lembrar de Barack Obama. Lá em 2008, quando o Facebook ainda era território de universitários, Obama mostrou que a internet podia servir à esperança — não apenas à gritaria. Seu “Yes, we can” era mais que slogan; era movimento. Enquanto Nikolas grita “olhem pra mim”, Obama dizia “olhem pra nós”. Essa diferença é brutal — e inspiradora.
Obama inaugurou uma era em que a tecnologia era usada para mobilizar, unir, dar propósito. Ele não queria curtidas; queria causas. Transformou seguidores em militantes digitais e mostrou que empatia também viraliza — quando é autêntica.
Entre o algoritmo e a palavra
No campo acadêmico, essa comparação virou tema de estudos mundo afora. Pesquisadores como Manuel Castells e Pippa Norris tratam Obama como o arquétipo da “comunicação conectiva” — aquela que une e cria redes de sentido. Já Nikolas Ferreira encarna o oposto: a “era da performance digital”, em que a emoção vence o argumento e a viralização substitui a coerência. Um representa a política como construção coletiva; o outro, como espetáculo contínuo.
A diferença é que Obama acreditava no poder da palavra; Nikolas, no poder do algoritmo. E ambos estão certos — à sua maneira.
O novo manual da política
O que vemos em Aracaju — e em qualquer canto do mundo — é a nova lógica da política digital. De um lado, os que transformam denúncia em conteúdo; do outro, os que transformam leveza em afeto. Entre eles, um oceano de ruído, filtros e indignações performáticas.
O eleitor, hoje, não quer discursos longos nem planos de governo em PDF. Quer sentir — rir, se indignar, compartilhar. A política virou entretenimento, e os políticos, influenciadores com mandato. O desafio é enorme: como manter a essência da política real — debate, ideia, propósito — em meio à coreografia dos 30 segundos?
Talvez a resposta esteja em equilibrar as lições de Obama e os alertas de Nikolas. Ou, quem sabe, em entender que o voto do futuro não será conquistado pelo melhor discurso, mas pelo vídeo que faz o eleitor parar de rolar a tela por três segundos e pensar: “esse aí me representa”.
O marketing político virou maratona de curtidas
Então, já vivi campanhas em que se gastava fortunas para comprar segundos na TV. Hoje, um bom corte vertical, com trilha envolvente e legenda certeira, tem mais alcance que muito programa eleitoral.
O marketing político, que sempre foi um exercício de narrativa, agora é também um exercício de velocidade. Quem demora a reagir perde o “hype”. Quem exagera, vira meme. E quem tenta ser espontâneo demais… acaba parecendo personagem.
A estética do superficial
O vídeo curto tem poder, sim — aproxima, humaniza, viraliza. Mas também banaliza. A linha entre o político e o influenciador ficou borrada. A indignação virou efeito sonoro; o carisma, filtro; e a verdade, uma questão de edição.
A política, que sempre foi teatro, agora é série curta com episódios diários. A diferença é que, antes, a gente via a encenação no palanque. Agora, ela está no feed — e em 9:16.
O eleitor quer ser entretido
A revolução dos vídeos curtos não é apenas uma mudança de formato — é uma mudança de mentalidade. O público cansou de discursos longos. Quer riso, ritmo e identificação. E quem entende isso domina o algoritmo e, por consequência, o debate. O eleitor não vota só no candidato. Vota na narrativa — e, se possível, na que render mais visualizações.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
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