PORTUGAL EM CHAMAS: TRAGÉDIA ANUAL OU NEGÓCIO LUCRATIVO?
POR TIAGO HÉLCIAS
Mais uma vez, o verão português se veste de fumaça e cinzas. Em 2025, a cena se repete com uma intensidade dolorosa, transformando paisagens em paisagens lunares e lares em escombros. A "cidade dos horrores" é, na verdade, um país inteiro em pânico, onde famílias veem suas vidas consumidas pelas chamas e o caos se instala em diversas regiões.
Os números, que deveriam ser apenas estatísticas frias, gritam a realidade de uma tragédia que se recusa a ser extinta.
Com agosto mal pela metade, já contabilizamos uma área ardida que supera em seis vezes o mesmo período do ano passado. Mais de 60 mil hectares já foram devorados pelo fogo, e a cada dia, novos focos surgem, desafiando a bravura dos bombeiros e a paciência de uma nação exausta.
A primeira vítima fatal de 2025 já foi confirmada, um ex-autarca que, tragicamente, se viu encurralado pela fúria das chamas. Este cenário, que se repete ano após ano, levanta uma questão incômoda: por que Portugal não consegue resolver o problema dos incêndios?
As Raízes do Fogo: Causas e Contradições
A resposta a essa pergunta é complexa e multifacetada, mas passa, invariavelmente, pelas causas estruturais que alimentam essa tragédia anual. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, a maioria dos incêndios tem origem humana, com o incendiarismo (28%) e as queimadas agrícolas ou florestais (19%) respondendo por quase metade dos casos apurados. É um dado que, por si só, já deveria acender um alerta: o inimigo, muitas vezes, está dentro de casa.
Estudos mais aprofundados, como um de 2012 que analisou o período entre 1996 e 2010, reforçam essa tese, indicando que 90% dos incêndios têm origem em atos humanos, sejam eles negligentes ou intencionais.
A controvérsia surge quando se discute a real proporção do crime: enquanto alguns dados sugerem que a prioridade na investigação de casos suspeitos de origem criminosa pode "empolar" os números, figuras como o presidente da Liga dos Bombeiros, em 2015, afirmavam que 75% dos incêndios eram de origem criminosa e 25% por negligência. Independentemente da percentagem exata, a mão humana é, inegavelmente, o principal gatilho.
Mas a questão vai além do ato isolado. A falta de gestão florestal adequada, o abandono de terras, a proliferação de espécies altamente inflamáveis como o eucalipto, e a ausência de limpeza de matas criam um cenário perfeito para a propagação descontrolada do fogo.
A cada ano, a vegetação seca se acumula, transformando as florestas em verdadeiros barris de pólvora à espera de uma faísca. A falta de vigilância e a ineficácia na consolidação da extinção de grandes incêndios também contribuem para a reativação de focos, perpetuando o ciclo de destruição.
Milhões de Euros em Fumaça? O Dilema do Investimento Público
E o que dizer do dinheiro? Milhões de euros são gastos anualmente no combate aos incêndios, mas a percepção geral é de que "nada é feito de forma efetiva". Os dados de 2024 mostram que o investimento no Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) atingiu 638 milhões de euros, um aumento significativo de 32% em relação ao ano anterior. Deste montante, 284 milhões foram para o combate e 354 milhões para a prevenção.
É interessante notar a mudança na alocação desses recursos ao longo dos anos. Se em 2017 a prevenção recebia apenas 20% do investimento total, em 2021 esse número saltou para 65%, caindo ligeiramente para 55% em 2024.
Essa inversão de prioridades, teoricamente, deveria trazer resultados mais positivos, com menos incêndios e menor área ardida. No entanto, a realidade de 2025 parece desafiar essa lógica.
Por que, então, mesmo com um investimento crescente em prevenção, o país continua a arder? A resposta pode estar na forma como esses investimentos são aplicados. Será que a prevenção está sendo feita de forma estratégica, com foco na gestão da paisagem, na limpeza de florestas e na educação da população? Ou será que o dinheiro se perde em burocracias, em ações pontuais sem impacto duradouro, ou em medidas que não atacam a raiz do problema?
A reflexão é inevitável: gastar milhões de euros em combate é apagar o fogo depois que ele já se instalou. O verdadeiro desafio, e onde o investimento deveria ser mais eficaz, é na prevenção. É na gestão do território, na valorização do mundo rural, na criação de uma cultura de responsabilidade e na implementação de políticas públicas que transformem a paisagem e a mentalidade.
Enquanto a abordagem for reativa e não proativa, Portugal continuará a ser o país que arde a cada verão, com a triste constatação de que o dinheiro, por vezes, se transforma em fumaça.
O Olhar de Dentro: Entre a Análise e a Angústia
Como jornalista, o olhar analítico é uma ferramenta constante. Mas, ao viver em Portugal e acompanhar de perto a tragédia dos incêndios, a análise se mistura com a angústia. Sempre soube que Portugal convivia com essa realidade endêmica dos incêndios de verão, mesmo quando observava do Brasil. No entanto, uma coisa é ver de fora para dentro; outra, completamente diferente, é vivenciar de dentro para fora.
É difícil acompanhar o sofrimento das pessoas, as declarações na imprensa portuguesa que revelam cenas de uma tragédia que se tornou uma epidemia. Há um sentimento palpável de abandono, de pessoas que se sentem órfãs do próprio governo, sem apoio algum. A sensação é de que, apesar dos milhões de euros gastos e do esforço hercúleo dos bombeiros, algo fundamental falha na raiz do problema. E aqui, surge uma reflexão ainda mais incômoda: ao que parece, Portugal não quer combater de fato, porque muito dinheiro, inclusive vindo de fora, é direcionado para essa questão. Essa percepção, ainda que dura, ecoa o questionamento sobre a real vontade política de resolver um problema que, para muitos, se tornou um ciclo vicioso de destruição e dependência de recursos externos.
A Grande Questão: Portugal Quer Mesmo Combater?
Diante de tudo isso, a pergunta que ecoa é: Portugal quer mesmo combater os incêndios, ou está apenas interessado em "enxugar gelo"? A percepção de que medidas paliativas são preferidas, talvez pela conveniência do fluxo de verbas de instituições internacionais e fundos de ajuda humanitária, é uma provocação necessária. É um questionamento que não busca respostas fáceis, mas sim a reflexão sobre a real vontade política de erradicar um problema que assola o país ano após ano.
Enquanto a gestão da crise for mais rentável do que a sua solução definitiva, o ciclo de fumaça, cinzas e desespero continuará a ser a triste realidade do verão português.
Os flagrantes dos jornais Expresso e o Observador, falam mais que mil palavras
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
Aqui no blog, escreve com liberdade, opinião e um compromisso claro: provocar o leitor a pensar fora da caixa.
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